Acompanhando as eleições nos EUA:
Encaminhei hoje um telegrama para o 46º presidente eleito dos EUA, Joe Biden. Confira: 7 de novembro de 2020 ...
Publicado por Ciro Gomes em Sábado, 7 de novembro de 2020
TL: CIRO GOMES
Encaminhei hoje um telegrama para o 46º presidente eleito dos EUA, Joe Biden. Confira:
7 de novembro de 2020
Presidente eleito Joseph R. Biden
Caro Presidente eleito Biden,
Escrevo do Brasil para parabenizá-lo por sua eleição e para manifestar a esperança de que sua Presidência venha a marcar virada para melhor nas relações entre os Estados Unidos e o Brasil.
Dediquei minha vida à ação pública e a lutar para que meu país siga rumo de desenvolvimento que sirva aos interesses e às aspirações do povo brasileiro. Agora trato de organizar, com o apoio de meu partido (o Partido Democrático Trabalhista) e do que espero ser uma aliança de partidos progressistas, minha candidatura à Presidência do Brasil. Sua eleição deu a muitos de nós no Brasil e em toda a América Latina a esperança de poder trabalhar com seu governo e com americanos de todos os quadrantes da vida nacional, dentro e fora dos cargos públicos, para empoderar os homens e as mulheres comuns.
Os Estados Unidos e o Brasil são as duas maiores democracias do hemisfério ocidental e duas das três maiores democracias do mundo. Governos recentes em ambos nossos países rebaixaram nossa relação ao nível de negociações comerciais de curto prazo e de expressões de afinidade ideológica entre líderes direitistas lá e cá.
Vemos espaço vasto para colaboração entre os Estados Unidos e o Brasil: para mobilizar tecnologias e práticas de produção avançadas por formas que tornem a maioria trabalhadora e as pequenas empresas nos nossos países mais produtivas e prósperas; para compartilhar experiências na melhora da educação nos nossos países extensos, desiguais e federativos; para dar consequência prática ao ideal do desenvolvimento sustentável (o Brasil conserva na Amazônia e em outras partes de seu território o maior tesouro de biodiversidade e água doce do planeta); para reerguer ordem internacional baseada em regras que não mais se cinja a acertos estabelecidos no rescaldo de uma guerra mundial concluída há setenta e cinco anos; para afastar risco de outro conflito global ainda mais terrível; e, sim, para comerciar de maneira livre e equitativa sob termos que beneficiem a maioria de americanos e de brasileiros. Para este fim, queremos ver não apenas nossos governos nacionais mas também nossos cidadãos, nossas empresas e nossas universidades se darem as mãos.
Não temos inimigos no mundo. Estamos determinados a trabalhar com outros países grandes -- inclusive aqueles que nos acompanham na organização BRICSA: a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, bem como nossos vizinhos sul-americanos e os Estados Unidos, para resolver problemas globais por meio de iniciativas conjuntas de nações soberanas.
Ao parabenizá-lo por sua eleição, reitero minha fé no potencial do que podem nossos países fazer juntos.
Com as saudações e o respeito de
Ciro Gomes
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November 7, 2020
President-elect Joseph R. Biden
Dear President-elect Biden,
I write from Brazil to congratulate you on your election and to express my hope that your Presidency will mark a turning point for the better in the relations between the United States and Brazil.
Having spent my whole adult life in public service and in a struggle to place my country on a development path that serves the interests and aspirations of the Brazilian people, I am in the process of organizing, on behalf of my party (the Democratic Labor Party) and of what I expect to be an alliance of progressive parties, my candidacy for the Presidency of Brazil. Your election has given many of us in Brazil and throughout Latin America hope that we can work with your administration and with Americans of all walks of life, within and outside government, to empower ordinary men and women.
The United States and Brazil are the two largest democracies in the Western Hemisphere and two of the three largest democracies in the world. Recent administrations in both of our countries have brought our relationship down to the level of short-term trade negotiations and empty expressions of ideological affinity between right-wing leaders there and here.
We see a vast space for collaboration between the United States and Brazil: to use the most advanced technologies and economic practices in ways that make the working class majorities and small businesses of our countries more productive and prosperous; to share experiences in the improvement of education in our large, unequal, and federal countries; to give practical effect to the ideal of sustainable development (Brazil holds in the Amazon and elsewhere the greatest treasure of biodiversity and fresh water on the planet); to rebuild a rules-based international order no longer limited by arrangements established in the aftermath of a world war that ended seventy-five years ago; to avert the risk of another, yet more terrible global conflict; and yes, to trade freely and fairly under terms that benefit the majority of Americans and Brazilians. To that end we want to see not just our national governments but also many of our people, businesses, and universities join hands.
We have no enemies in the world. We are determined to work with other major countries -- including the ones who join us in the BRICSA organization: Russia, India, China, and South Africa, as well our South American neighbors and the United States, to solve global problems through initiatives taken jointly by sovereign nations.
In congratulating you on your election, I reiterate my faith in the promise of what our two countries can do together.
with greetings and respect,
Ciro Gomes
https://portaldisparada.com.br/politica-e-poder/castanon-como-joe-biden-venceu/
COMO BIDEN VENCEU?
Todo fenômeno social é multicausado. São inumeráveis fatores que concorrem para uma vitória eleitoral. Na presente vitória de Biden nos EUA, fatores como o ativismo pelo voto negro na Geórgia, a mudança demográfica no Arizona e o fato de Biden ser natural da Philadelphia, provavelmente são elementos significativos de sua vitória.
Certamente não se tratou de uma vitória de “frente ampla”, como alguns atores políticos brasileiros reivindicaram. Na verdade, essa alegação não faz qualquer sentido. Os EUA são bipartidários e essa foi a mais polarizada eleição de todos os tempos.
Outro foi o fator predominante na vitória de Biden.
Não, não foi a pandemia, embora ela tenha sido fundamental: sem ela Trump não teria se desgastado o suficiente para se tornar derrotável.
O principal fator, na minha visão, foi o abandono do discurso identitário pelo candidato a presidente democrata.
Biden foi escolhido pelo Partido Democrata por ser o candidato menos identificado com essa forma de fazer política.
Apesar de ter cedido aos setores identitários do Partido Democrata com sua candidata a vice (cujo discurso, considerado radical nos EUA, foi fartamente explorado por Trump), ele não foi para as eleições dizendo para votar nele porque ele era mulher, ou defendendo políticas afirmativas. Ele não ameaçou nem satanizou as maiorias.
Ele defendeu políticas universais para todos os americanos, e falou predominantemente de saúde e defesa da ciência, retomada da industrialização no “Blue Wall” e direitos de voto e expressão iguais para todos. Em unir de novo uma nação profundamente dividida.
Foram escolher um homem velho, branco, hetero, cis, do establishment, para derrotar o homem velho, branco, hetero, cis, do establishment (mas politicamente incorreto) Donald Trump.
Não foi fácil. Biden venceu como o presidente mais votado da história dos EUA, mas com o número de votos que terá, Trump será o segundo candidato a presidente mais votado da história dos EUA, nas eleições que estabeleceram o novo recorde absoluto de comparecimento. Sua força ainda é gigantesca.
O identitarismo nos EUA esse ano, estava do lado de Trump, que se recusou num debate nacional a condenar um grupo supremacista branco. Trump é o resultado da reação ao identitarismo de minorias: o identitarismo de maiorias.
Estando dez pontos atrás de Biden antes do início dos protestos deste ano, Trump recuperou parte do terreno com um discurso de “lei e ordem”, excitando o medo da maioria branca dos EUA.
Não se pode repetir o modelo no Brasil. O Brasil não é bipartidário nem tem as fronteiras raciais claras que os racialistas brasileiros querem impor.
Aqui a questão identitária, fora dos círculos evangélicos e da classe média das capitais, tem menos peso que lá.
Não estou dizendo absolutamente que precisamos buscar um homem branco e hetero para vencer.
Muito menos que precisamos abandonar bandeiras universais como o fim do racismo, do machismo e da discriminação sexual.
A maioria também não quer isso.
O que estou dizendo é que precisamos de um discurso para todos, como sempre foi a essência do progressismo. Contra o racismo, não contra os brancos. Contra o machismo, não contra os homens. Contra a discriminação, não contra a heteronormatividade.
Mas contra o machismo, o racismo e a discriminação porque somos a favor. A favor de direitos e oportunidades iguais para todos.
É isso o que precisamos, sempre, em primeiro plano: voltar a um discurso a favor de todos.
Um discurso universal.