Cidadania digital
Em fóruns e movimentos bem-humorados na
internet eleitores estão de olho na vida e nos deslizes de campanha dos
candidatos. Aplicativos ajudam a decidir em quem votar
Publicação: Jornal Estado de Minas 30/08/2012 - Caderno Inform@tica - Repórter Shirley Pacelli
O analista de TI Wagner Soares acompanha a política em mídias alternativas e posta suas próprias críticas no Facebook, como a montagem da velhinha que espera, armada, o político que só aparece a cada quatro anos |
“Venha pedir meu voto! Venha! Não te vejo há quatro anos!...” O aviso é de uma senhora de idade avançada, que se apresenta equipada com fuzil e munição. A bem-humorada montagem é uma das inúmeras postagens – cheias de conteúdo político – que são compartilhados no perfil do Facebook de Wagner Soares, de 27 anos, analista de tecnologia de informação. Ele engrossa o coro dos eleitores que, em tempos virtuais, se valem das redes sociais para expor suas críticas e reivindicações, além de alertar outros cidadãos em relação às mazelas eleitorais.
Soares conta que, além do noticiário tradicional, acompanha novidades políticas em mídias alternativas, como o Ocupe a Câmara (facebook.com/ocupeacamara) e o Ranking de Política (politicos.org.br). “Também participo de um fórum, com papo mais sério, sobre política nacional. Cerca de 100 mil pessoas acessam a página por dia”, complementa. Nestas páginas o analista percebe como maior vantagem a oportunidade de conhecer a opinião e argumento de outros cidadãos, algo que extrapola simplesmente a divulgação da informação. Mas ressalva que é preciso ter análise crítica diante das postagens.
O site Ranking Político é, segundo ele, uma ferramenta de grande valor por ter um vasto conteúdo, apesar das críticas quanto ao critério de classificação. O portal colaborativo lista os políticos de acordo com as notas dadas pelo público. Cada um deles começa com 200 pontos, que vão perdendo de acordo com parâmetros preestabelecidos, como ser réu em processos criminais. “Alguns estão muito bem cotados, mas eu não daria tão boas notas. Mas há a fonte das denúncias e espaço para comentários, o que torna o espaço interessante”, opina Soares.
O analista conta que somente nestas eleições começou a buscar mais informações na rede, porque não conhece todos os candidatos a vereador. “Os recursos da internet são fundamentais durante as eleições. O brasileiro tem memória ruim, não lembra em quem votou. A tecnologia pode sanar essa deficiência: é uma ferramenta importante para obter informações sobre o candidato. Usando a web, o eleitor pode fazer melhor escolha com base em outros critérios que não apenas maior tempo de campanha na TV ou porque o vereador X asfaltou a rua dele”, ressalta.
O Informátic@ conversou com algumas das mentes brilhantes por trás de projetos de e-democracia, que promovem o engajamento político da população por meio da internet. A exemplo de Fernando Barreto, responsável pelo Vote na web (votenaweb.com.br), que faz uma espécie de tradução dos projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Confira ainda dicas de sites e aplicativos para buscar informações sobre o seu candidato.
Em resposta à sujeira
Movimento incentiva eleitores a darem o
troco nos maus políticos e tem imediata adesão de internautas, que fazem
intervenções na imagem dos candidatos lambões
Imagine a cena: sua rua está tomada por cavaletes de políticos em campanha. Em um dia de tempestade, eles ganham os céus ao sabor da ventania e transformam-se em armas contra a população, no melhor estilo salve-se quem puder. A história aconteceu de verdade em Porto Alegre (RS), em 2010. Isso, somado à sujeira na cidade causada pela enxurrada de panfletos, cartazes e faixas irregulares, motivou a criação do movimento Sujo sua cara (facebook.com/sujosuacara). Com o lema “Você suja minha cidade, eu sujo sua cara”, o grupo incentiva as pessoas a darem o troco nos maus políticos sujando a cara deles. A página virtual reúne as bem-humoradas intervenções dos internautas nos santinhos de candidatos de todo o Brasil. Um bigodinho aqui, um nariz de palhaço acolá, mais um clique e pronto: o movimento caiu nas graças do público. Desde a criação da fan page, em 21 de julho, a página já recebeu mais de 100 imagens dos internautas e cerca de 2 mil curtidas.
A iniciativa partiu de três gaúchos que preferem não se identificar, porque a ação pode ser considerada incitação ao vandalismo. “Embora muita gente nos apoie, acho arriscado, pois os políticos têm muito mais poder que nós”, justifica João (nome fictício), um dos membros. O Sujo sua cara começou há dois anos como um tumblr (http://sujosuacara.tumblr.com), que permanece on-line, mas mudou-se para o Facebook em julho. A razão da mudança, segundo o grupo, foi porque o tumblr é uma plataforma muito volátil. “As pessoas divulgavam o endereço virtual dizendo que era ‘o tumblr da semana’ e o nosso objetivo é manter o movimento forte até o dia das eleições. Além disso, o Facebook tem altíssimo potencial de engajamento, interação e viralização”, explica João.
De ninja a Chaplin Os mineiros estão na lista dos internautas que mais contribuem com conteúdo para a página, além de cidadãos de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul. Entre as intervenções mais criativas, o grupo destaca um internauta de Campinas (SP) que transforma os políticos em ninjas. Fora isso, os candidatos que viram personagens famosos, como David Bowie, Charlie Chaplin, Jason e a banda Kiss, são os mais curtidos. Para a equipe responsável pela página, a ideia caiu no gosto do público, porque, de certa forma, as pessoas já fazem essa brincadeira de desenhar careta nos candidatos. “O normal seria todo mundo ficar reclamando da sujeira nas redes sociais, sem de fato fazer alguma coisa. Só assim conseguiremos inibir o uso excessivo de cavaletes”, ressalva João.
Segundo ele, a iniciativa é importante como forma de protesto e sem a internet não seria possível atingir tantas pessoas, de todas as regiões do país. “Ridicularizar a cara de quem suja a cidade parece ser uma reação eficiente e ao mesmo tempo prazerosa”, provoca. O grupo destaca como positiva a campanha Sujeira não é legal (campanhasemsujeira.tre-mg.jus.br) do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG). “Se os candidatos seguissem os conselhos do TRE-MG, nós não precisaríamos existir”, brinca João. O objetivo da campanha do TRE-MG é valorizar atitudes positivas para o processo eleitoral. O site reúne orientações sobre a propaganda eleitoral e a transparência nas contas de campanha. A página do Facebook, atualizada constantemente (facebook.com/SujeiraNaoeLegal), posta inclusive fotos de blitz contra propaganda irregular. Outra página, com uma pitada mais agressiva, é o tumblr Arrumei tua campanha (http://arrumeituacampanha.tumblr.com). Na Bahia, surgiu com a mesma proposta o Combate ao assédio eleitoral
(http://combateae.tumblr.com).
Arte? Para quê arte?
Bastou chegar a temporada de eleições para que o grafite do belo garotinho, com nariz de palhaço, fosse escondido por camadas de cartazes de candidatos a vereador de Belo Horizonte. Nilo Zack e Lídia Viber, reconhecidos grafiteiros do Ctor-9 e responsáveis pelo trabalho, resolveram refazer todo o mural na Av. Presidente Antônio Carlos, próximo ao número 4.926, no Bairro São Francisco. No início de agosto, eles gravaram um vídeo durante a atividade na construção abandonada. Dez dias depois do vídeo ser postado no YouTube, o muro e a casa que servia de abrigo a moradores de rua foram demolidos. http://bit.ly/SIUQ9p
Serviços a um clique
Confira dicas de sites e aplicativos que ajudam o eleitor a exercer o seu poder de cidadão, denunciando as irregularidades durante as eleições 2012 ou buscando mais informações sobre o seu candidato.
Divulgação oficial
» Quer ir além das informações do santinho do candidato? Recorra ao portal oficial de divulgação do registro de candidaturas 2012. Além dos dados mais corriqueiros, há a declaração de bens, certidões criminais e situação do processo de candidatura. É possível ainda gerar um PDF da página e encaminhar para os amigos com as suas novas descobertas.
http://bit.ly/MPfSAK
Fiscais on-line
» O carro de som acordou você às 7h de um domingo com aquele jingle chiclete do candidato? Tem tanto cavalete irregular na rua que você resolveu treinar corrida de obstáculos para as Olimpíadas de 2016 no Brasil? Encarne o justiceiro e denuncie a prática ilegal de campanha no portal da justiça eleitoral.
http://migre.me/apzdw
Loucos por apps
Diversos aplicativos dão uma mãozinha para você não esquecer o número do seu candidato ou até mesmo descobrir todos aqueles que disputam uma vaga na sua cidade. Confira:
Calculadora política
» Alguma vez você já compreendeu a lógica da conta do quociente eleitoral? Este aplicativo não ensina qual é, mas, pelo menos, calcula para você. Basta colocar o número de votos válidos, cadeiras a serem preenchidas, o número de votos do partido ou coligação e ele fornece o número de vagas que o partido terá na câmara municipal. Disponível para plataformas Android. Preço: R$ 2
http://migre.me/aprkg
Voto consciente
» É um banco eleitoral de dados, com base no Tribunal Superior Eleitoral, que permite o acesso ao perfil dos candidatos às eleições de 2012 no Brasil. Sistema rápido e prático de buscas por estado e cidade. Serve como cola digital. Disponível para plataformas iOS. Gratuito.
http://migre.me/apsoM
Candidatos 2012
» Confira de forma simples e objetiva os dados dos candidatos às eleições 2012. Os perfis têm nome, foto, número, coligação, grau de instrução, ocupação e até limite de gastos. É rápido, mas há cidades que não são contempladas. Aos poucos esse problema está sendo resolvido com a atualização do app. Disponível para plataformas Android. Gratuito.
http://migre.me/apuLI
Na cola do seu representante
Exercício da cidadania não acaba no voto. Grupos surgidos em redes sociais comprovam
a importância de fiscalizar de perto o trabalho de políticos eleitos durante seu mandato
Movimentos Ocupe a Câmara e Câmara Transparente (D) usam internet para mobilizar belo-horizontinos |
Ocupe a Câmara. Este é o resumo da mensagem que o grupo quer passar para os belo-horizontinos: participe da vida política de sua cidade. O grupo surgiu em dezembro de 2011, quando os vereadores da capital mineira anunciaram um projeto de lei para aumentar os próprios salários em 61,8%. Diante da proposta, os integrantes convocaram os mineiros, pela internet, a ocupar a Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) no dia da votação. A iniciativa resultou em uma grande mobilização popular que, no fim das contas, resultou na não aprovação do projeto.
A proposta do grupo é cadastrar, pela rede, pessoas interessadas em acompanhar o trabalho dos vereadores da CMBH, de forma permanente. Segundo uma das integrantes, Maria Fernanda Moreira, revisora e mestranda em literatura, de 27 anos, cerca de 10 pessoas alimentam o conteúdo do site (http://ocupecamara.org) e do Facebook. Qualquer pessoa pode contribuir com o conteúdo do portal, basta enviar por e-mail.
Para ela, desde o surgimento do perfil do Ocupe e de outros grupos na rede social, as pessoas têm se interessado mais pelas notícias vindas da CMBH, mas ainda é difícil precisar a frequência dos manifestantes nas sessões.
Fiscalização popular O Ocupe diz provocar incômodo nos vereadores. Um deles chegou a fazer uma representação na delegacia de crimes cibernéticos contra o grupo e outros movimentos de fiscalização do Legislativo, com a alegação de calúnia e difamação. “É notório o quanto os vereadores estão desacostumados com a fiscalização popular. Em sua grande maioria, eles se mostram despreparados para lidar com a pressão, colocam-se na defensiva e, por vezes, se recusam ao diálogo”, afirma Maria Fernanda. Segundo a revisora, a maioria dos parlamentares acompanha o trabalho de cidadania digital de forma anônima ou silenciosa.
Para a integrante do Ocupe, a internet contribui bastante com a descentralização da circulação da informação e com o arquivo político. “Hoje, todo indivíduo, havendo interesse e empenho, é uma mídia em potencial”, explica. A revisora acredita que os novos meios de comunicação (redes sociais e plataformas de blogs) funcionam como ferramentas de abertura para um novo diálogo entre políticos e cidadãos. “Entretanto, passamos hoje por uma necessidade enorme de revisitar a legislação e os mecanismos de democracia produzidos de cima para baixo.”
Maria Fernanda explica que a primeira coisa que se deve fazer é rever o conceito de que democracia é o direito de aprovar ou não uma proposta. De acordo com ela, a reprovação, pura e simplesmente, não confere direito de resposta ou revisão daquilo que o povo discorda. O Marco Civil da Internet seria um bom exemplo de discussão em conjunto com a sociedade.
Conscientização via rede O Câmara Transparente (facebook.com/camaratransparente), grupo formado no Facebook, surgiu pouco tempo depois do Ocupe a Câmara, a partir também da indignação com a polêmica proposta de aumento do salário dos vereadores. Segundo Rafaella Malta, de 18, estudante do curso de direito e integrante do movimento, a comunidade tem o objetivo de despertar mais interesse da população pela política. “Queremos ajudar o povo a entender o quadro dos negócios públicos e provocá-lo a reclamar seus direitos”, explica. O foco principal é criar um vínculo com o cidadão, por meio das redes sociais, divulgando notícias, levantando questionamentos e despertando o senso crítico. “As pessoas trabalham, estudam e têm ocupações que as impedem de estar presentes na CMBH, mas as redes sociais fazem parte da rotina delas e esse é o meio que utilizamos para alcançá-las”, observa Malta.
Cerca de 15 pessoas participam ativamente do grupo, mas há colaboradores esporádicos. No período eleitoral, o Câmara está com uma campanha de conscientização sobre o voto. Malta explica que os escândalos de corrupção criaram um sentimento geral de descrença e indiferença em relação à política, prejudicando a percepção do poder da mobilização popular. “Na aprovação do voto aberto na CMBH, a pressão popular fez diferença. Tudo começa na informação, em conhecer, participar, e o desejo de mudança vem em seguida”, afirma. Para ela, quem participa dessas mobilizações nas redes sociais leva a discussão para a sociedade e compartilha o conteúdo com aqueles que não têm acesso à internet.
O presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte, Léo Burguês, afirma que toda participação popular é benéfica para a democracia. “A Câmara dá total abertura às pessoas de participarem das decisões legislativas”, ressalta. Segundo ele, a tendência é o aumento de iniciativas populares no âmbito digital e o diálogo entre os cidadãos e os vereadores é fundamental para a prática democrática.
Acesse também
Transparência Brasil- Excelências
excelencias.org.br
Eu lembro
eulembro.com.br
E-democracia na veia
Um projeto de lei de um representante de Minas Gerais no Senado propõe a nomeação de um trecho de uma BR mineira. Cerca de 90% do público de Minas – no site Vote na Web (votenaweb.com.br) – vai contra a proposta, mas ela é aprovada. Esse tipo de comparação crítica é uma das muitas possibilidades trazidas pelo site Vote na Web, ferramenta lançada em 2009 por Fernando Barreto, sócio-fundador da Webcitizen, durante o TEDX São Paulo.
O objetivo é oferecer ao cidadão uma maneira mais fácil, simples e direta de acompanhar o trabalho dos parlamentares. A equipe, formada por profissionais de direito e comunicação, reúne os projetos de lei (PL) do Congresso Nacional e faz uma espécie de tradução do texto, tornando o conteúdo mais compreensível para o cidadão. “Às vezes tem PL com 12 páginas e a proposta, em si, tem um parágrafo. Há vários PLs repetidos ou até irrelevantes”, explica Barreto. Além de acompanhar o trabalho do Congresso, o usuário pode interagir votando simbolicamente a favor ou contra. O resultado é visualizado em gráficos simples.
O site é dividido em áreas de destaque, arquivo, políticos e meu perfil. Segundo Barreto, há duas funções principais do Vote na web. A primeira é verificar se há coerência entre a votação dos representantes do estado com o desejo do cidadão. A outra é, baseado nos dados do perfil do usuário, gerar uma lista ou histórico de afinidades. “Você sempre vota no partido X, mas é o Y que aprova as suas demandas. A ideia é educar o cidadão, ajudá-lo a escolher melhor os seus candidatos”, explica Barreto.
O site relacionou o último projeto de cada parlamentar na Casa e, a partir daí, a equipe tentou colocar todas as propostas apresentadas no portal. Inicialmente, não era enviado nenhum relatório sobre as votações aos parlamentares. Hoje, os próprios deputados pedem para ver os resultados das enquetes do site. “Teve deputado que pediu para retirar o projeto de votação no site, porque ele estava sendo muito criticado”, relembra Barreto, explicando que, claro, não atendeu o pedido.
Em breve, o site deve abordar os municípios, mas antes é preciso reescrever os códigos. Pelo processo natural, as cidades maiores devem ser as primeiras da lista. Há duas semanas, a plataforma se vinculou também ao Facebook. A novidade trouxe um maior número de acesso ao endereço eletrônico. “O usuário vê que o amigo da rede social votou em tal projeto e acaba participando também. O poder de influência entre membros do Facebook é grande”, descreve o idealizador.
Baixa renda Para Barreto, a internet é um meio que proporciona infinitas oportunidades e serve como base fundamental para a chamada “webcracia”, na qual os cidadãos encontram ferramentas, aplicativos e plataformas que potencializam o exercício da democracia. Fernando Barreto acredita que não demora para que pessoas hoje sem acesso à internet consigam meios para utilizar a web. Ele conta um caso de uma cidade pernambucana onde havia um único posto de inscrição para uma campanha do governo voltada à moradia para pessoas de baixa renda. Como a fila estava gigantesca, foi permitido o cadastro também on-line. Em apenas uma semana, a inscrição virtual recebeu cinco vezes mais cadastros. “As pessoas moravam em favelas e preferiram recorrer aos PCs de lan houses do que pegar um ônibus. Hoje as lan houses são consideradas as novas praças de convivência”, ressalta Barreto. Segundo ele, se as comunidades se mobilizarem, assim como aconteceu com o Ficha Limpa, é possível fazer pressão popular por meio da internet.