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quarta-feira, 2 de agosto de 2023

8 Situações que você deve manter o silêncio!

8 SITUAÇÕES QUE VOCÊ DEVE MANTER O SILÊNCIO

1 - Quando você está buscando uma resposta que só pode vir de dentro de você. Preserve seu campo de energia.

2 - Quando estiver planejando um novo movimento na sua vida, só fale quando estiver concretizado. As opiniões alheias sempre contêm cargas emocionais e energias influentes que não são compatíveis com o que o seu coração vibra.

3 - Quando o outro está falando como se sente. Ouça com o coração aberto.


4 - Quando alguém não deixa você terminar o que está falando, de toda forma ela não está te escutando verdadeiramente.


5 - Quando estiver em um momento de reflexão e análise sobre suas próprias ações e comportamentos. Você deve sentir o que faz sentido para você, e não para o senso comum.


6 - Quando alguém está passando por um momento intenso de dor ou tristeza, muitas vezes o silêncio amoroso pode ser mais valioso do que palavras.


7 - Quando alguém está compartilhando uma opinião que você discorda, nunca há necessidade de entrar em conflito.


8 - Quando estiver em um momento de meditação ou oração, o silêncio é o portal de conexão com a sua alma e com Deus."


Por Caio Costa

terça-feira, 11 de julho de 2023

A VERDADEIRA HISTÓRIA DO TETRIS - TECNOLOGIA DO METAVERSO

 TECNOLOGIA –

A VERDADEIRA HISTÓRIA DO TETRIS

Ela não teve tiros, perseguições, beijos nem outras coisas que aparecem no filme da Apple. Mas teve geopolítica, pirataria, colapso da URSS — e um aquário que chamou a atenção da Microsoft. Conheça a saga do segundo gamemais popular de todos os tempos — contada por seu criador.
Texto Fernanda Ezabella e Bruno Garattoni


UMA ESPIÃ SEXY, um comunista malvado, pancadaria rolando solta e uma perseguição

maluca de carros pelas ruas de Moscou. O filme sobre a história do jogo Tetris, lançado em

março no serviço Apple TV+, está cheio de clichês de ação. “E um filme de espionagem

turbinado”, diz Alexey Pajitnov, rindo. Ele é um senhor bonachão de 68 anos, que se expressa

em inglês macarrônico, e o inventor de Tetris: o segundo game mais popular de todos os

tempos, com 520 milhões de cópias vendidas (só atrás da franquia Mario). E isso sem contar as

versões piratas, disponíveis em mais de 50 plataformas.


A perseguição de carro não aconteceu. Mas a espiã é real — e as trapaças milionárias

também. Pajitnov criou Tetris em junho de 1984, nas horas vagas do seu trabalho como

programador de software na Academia de Ciências de Moscou. “Era só uma brincadeira, não

havia grandes ambições”, conta ele em uma conversa por vídeo da sua casa no subúrbio de

Seattle (EUA), onde mora hoje. Quando inventou o jogo, ele tinha 29 anos e estava na

Academia há cinco. Conseguiu o emprego após completar o mestrado em matemática no

Instituto de Aviação de Moscou. Pajitnov se interessava por quebra-cabeças desde a

adolescência, embora a educação não fosse muito empolgante. “Havia muita ideologia, muita

besteira para estudar e atividades muito, muito idiotas. Eu tentava ficar longe disso, mas era

inevitável”, diz.

Na Academia de Ciências, o modus operandi soviético se manifestava em um sistema

de trabalho rígido, altamente hierarquizado. Mas era uma das melhores instalações científicas

da URSS, dedicada aos avanços de tecnologia espacial e nuclear. “Os chefes diziam e você

obedecia. Francamente, não era tão ruim, não tenho muito do que reclamar.”

Pajitnov trabalhava no centro de computação da Academia, onde desenvolvia

softwares em duas áreas incipientes: reconhecimento de voz e inteligência artificial. “Era

trabalho teórico. Nós usávamos poucas centenas de kilobytes de memória”, diz. “O melhor

que consegui fazer foi comandar as pecinhas de Tetris com a voz: ‘esquerda, esquerda,

esquerda, soltar!”, lembra ele, animado. “Essa versão [com comandos de voz] nunca deixou

meu computador”, conta ele.

Pajitnov também recebia em sua mesa vários gadgets para testar. Tetris veio de uma

dessas novidades: o Elektronika-60, um computador soviético com processador de 16 bits, 128

kilobytes de memória RAM e disquetes para armazenamento. Para a época, era bem

interessante — e, o melhor, Pajitnov podia usá-lo à vontade (naquele tempo, era preciso

marcar hora para utilizar os computadores, grandes mainframes que – também no Ocidente –

tinham de ser compartilhados pelos pesquisadores ou funcionários de empresas).

Ele começou a escrever programas para testar o Elektronika. Surpreendeu-se com o

resultado, e foi ficando ambicioso. “Decidi que queria criar um jogo para dois usuários, algo

sofisticado, como um jogo de xadrez. Eu coloco uma peça, você coloca outra e por aí vai. Tive

um sonho que poderia usar pentaminós para criar esse jogo. Peraí, deixa eu te mostrar.”

Pajitnov se levanta para pegar na prateleira uma caixa desse jogo, e exibir as peças

vermelhas na câmera do computador. Pentaminó é um quebra-cabeça geométrico inventado

na Inglaterra, no começo do século 20, que se tornou popular em muitos lugares, inclusive na

URSS.

Ele tem peças de madeira de 12 formatos diferentes, cada uma formada por cinco

quadradinhos. “Você joga como se fosse um quebra-cabeça, vai criando configurações

diferentes.” O problema maior, diz Pajitnov, é na hora de guardar as peças de volta na caixa.

“Aí você está ferrado, porque é muito difícil encaixá-las”, brinca.

Para simplificar o jogo no computador, as pecinhas foram reduzidas para sete

formatos em vez de 12, com cada uma formada por quatro quadrados em vez de cinco.


Pajitnov criou a palavra Tetris juntando essa característica (“tetra” é quatro em grego) com o

nome do seu esporte preferido, o tênis. Como o Elektronika-60 não tinha interface gráfica e só

exibia texto, Pajitnov usou letras para formar as pecinhas, que caíam da parte de cima da tela

até formar linhas na parte de baixo. A ideia de fazer as linhas completadas desaparecerem veio

depois. ‘Levei umas três semanas até ter algo jogável”, lembra. Aí, imediatamente ficou

viciado. “Eu não conseguia parar de jogar, e meus colegas também não.”

Tetris chamou a atenção, e cópias do jogo foram distribuídas nos países do bloco

soviético. Até que, em 1988, uma cópia acabou indo parar na feira Consumer Electronics Show,

em Las Vegas. Lá, o empresário e desenvolvedor de jogos holandês Henk Rogers se encantou

com o game — e foi até a URSS atrás dele.

Com a cara (de pau) e a coragem, viajou para Moscou sem conhecer ninguém ou

qualquer reunião marcada. No lobby de seu hotel havia uma moça que se dizia tradutora e o

ajudou a chegar ao local certo, o Ministério do Comércio Exterior. Ela era, como mostrado no

filme, uma espiã. E Rogers sabia disso: “Todos os intérpretes à espera no hotel eram da KGB.

Mas ela era linda e divertida, enquanto os outros pareciam moribundos e tristonhos”, disse ele

ao jornal inglês Guardian.

Mas o resto da história da espiã, que inclui um beijo na boca, é delírio hollywoodiano.

A verdade é que foram dias longos, com negociações demoradas e meticulosas entre Rogers e

Nikolai Belikov, o chefão da Elektronorgtechnica (Elorg), agência estatal responsável pelo

comércio de hardware e software. Foi aí que o animado Rogers conheceu o tímido Pajitnov.

“De cara gostei da atitude dele. Ele não tentava esconder nada e logo colocou as

cartas na mesa. Ficamos amigos rapidamente”, conta o russo. “Foi o primeiro desenvolvedor

de jogos que conheci — essa profissão não existia no meu país. Então eu estava animado. Era

uma chance de discutir tudo sobre o jogo e outros títulos.”

Mas na mesa de negociações entre Rogers e a Elorg, monitorada por uma comitiva de

dez autoridades russas,” Pajitnov não apitava nada; era só um consultor. Como não existia

propriedade intelectual na URSS, e Tetris havia sido desenvolvido num computador do

governo, o russo preferiu evitar dor de cabeça e cedeu os direitos ao Estado por dez anos. “Eu

não teria chance se tentasse ir atrás de dinheiro. E sabia que o jogo era bom. Queria que fosse

publicado e não esquecido”, lembra.

No filme, Pajitnov vive maus bocados por se aproximar demais de Rogers. Chega até a

perder o apartamento. Durante nossa conversa, o russo ri disso — que é mera ficção. “O

roteirista me perguntou o que seria uma situação fundo do poço para mim, e nós conversamos

até chegar nessa solução.” Mas e os apuros de Belikov? No filme, o diretor da Elorg leva uma

surra por se opor a Valentin Trifonov, um burocrata malvado que tenta desviar os direitos do

game.

“Ah, não, era só um joguinho Fala sério!”, responde Pajitnov. Na vida real, não só

Belikov não apanhou, como se deu bem. Quando a URSS acabou, ele transformou Elorg numa

empresa privada e recebeu direitos autorais sobre as vendas de Tetris até 2005, quando sua

firma foi comprada por Rogers e Pajitnov por US$ 15 milhões (US$ 23 mihões em valores


atuais). Valentin Trifonov, por sua vez, não existiu. (Mas o nome sim: é de um político que

participou da Primeira Revolução Russa, em 1905.)

Assim que o Ocidente descobriu Tetris, houve uma guerra para obter os direitos

comerciais do jogo em várias plataformas (PC, consoles, fliperamas etc.). O filme mostra

bastante isso, mas de forma pouco precisa — e aqui há algumas pecinhas para encaixar.

O empresário britânico Robert Stein havia se deparado com o jogo em 1986, numa

viagem à Hungria, país do bloco soviético onde Tetris se espalhava via cópias piratas. Stein

tentou contato com o governo soviético, mas não teve resposta — e aí fez uma proposta, de

10 mil libras, diretamente para Pajitnov. Antes mesmo de fechar negócio, saiu revendendo

licenças do jogo mundo afora. “Ele considerou um telex (tipo primitivo de fax] meu como um

consentimento total para publicar Tetris, o que achei uma trapaça”, diz Pajitnov. “Eu só

comentei que estávamos na expectativa. Não era um contrato.”

Stein repassou os direitos à Mirrorsoft, do magnata inglês Robert Maxwell (dono do

tabloide Daily Mirror, uma potência editorial na época). A Mirrorsoft, por sua vez, revendeu-os

para a Spectrum Holobyte e para a Atari. “O jogo chegou a computadores da Europa toda, e

nada foi pago”, diz Pajitnov, que aparentemente não guarda rancor. “Eles fizeram um bom

trabalho no lançamento. Criaram uma embalagem, colocaram musiquinha, e eu até ganhei um

prêmio numa competição de jogos na Europa.”

No filme, Robert Maxwell se encontra com o líder soviético Mikhail Gorbachev, para

pressioná-lo em troca dos direitos exclusivos sobre Tetris. “A pressão política de Maxwell era

enorme. Tinha gente com medo até de falar com ele”, lembra Pajitnov. Na vida real, a reunião

de Maxwell com Gorbachev chegou a ser marcada, mas não aconteceu — foi cancelada após

um terremoto na Armênia, que desviou a atenção do líder soviético. No fim das contas,

Maxwell ficou apenas com os direitos do jogo para PC.

As primeiras versões ocidentais de Tetris se aproveitavam do fascínio com o país

escondido na cortina de ferro. A exuberante Catedral de São Basílio e bonecas matryoshkas

apareciam nas telas e nas propagandas do jogo, bem como uma musiquinha que se tornou

sinônimo do game (e é, na verdade, uma canção folclórica russa do século 19). Pajitnov achou

tudo aquilo meio brega, mas entendeu a lógica.

Após sua visita à URSS, em 1988, Henk Rogers ficou com os direitos para os consoles

de videogame. Ele ofereceu US$ 1,2 milhão em royalties garantidos para a Elorg, mais US$ 1,30

a cada cartucho vendido (em valores atualizados). Isso não é nada pelos padrões do mercado

de hoje; mas era muito mais do que o rival Stein havia oferecido. Rogers repassou a licença

para a Nintendo. Só que havia um problema: Maxwell já tinha vendido à Atari os direitos de

Tetris para videogames — que ele na verdade não possuía.

O filme mostra as duas empresas brigando no tribunal, com vitória da Nintendo. Isso

aconteceu, mas inicialmente a Atari levou a melhor: chegou a lançar o jogo para o console

Nintendo 8 bits. Um mês depois, a Justiça dos EUA mandou a empresa recolher e destruir

todos os cartuchos de Tetris — que, a partir dali, só a própria Nintendo poderia fabricar. O

console portátil Game Boy, lançado pela Nintendo em 1989, já veio com Tetris na caixa. O


game foi decisivo para transformá-lo em um fenômeno — nos primeiros três anos, o Game

Boy vendeu 9 milhões de unidades só nos EUA.

Mas Pajitnov ainda não tinha recebido nada pelo game. Continuava na mesma. Quer

dizer, na mesma não: a União Soviética vivia seus últimos dias, e a vida dos russos piorava

rapidamente. Aí Pajitnov emigrou para os EUA: foi trabalhar com o amigo e parceiro Henk,

produzindo games. Fez um software chamado El-Fish, uma espécie de screensaver que

transformava a tela do computador em aquário, e acabou contratado pela gigante Microsoft.

"Todo mundo reclamava da burocracia da Microsoft. Mas comparada à do meu país, não era

nada", diz, com bom humor. Pajitnov tocou cinco projetos na empresa de Bill Gates (incluindo

Pandora's Box, um programa para PC que incluía 350 puzzles), na qual ficou até 2005. Sua

última obra por lá foi Hexic HD, uma espécie de releitura do Tetris desenvolvida para o console

Xbox. Lembra bastante o megassucesso gratuito Candy Crush, que seria lançado uma década

depois (e já foi baixado mais de 2,7 bilhões de vezes).

Hoje, Henk e Pajitnov são donos da Tetris Company, que administra os direitos

comerciais do game. Ele continua um fenômeno — tem até um campeonato mundial,

disputado todo ano nos EUA. O maior vencedor é o americano Jonas Neubauer, com sete

títulos nas 13 edições (só não foram mais porque Neubauer morreu de problemas cardíacos

aos 39 anos, em 2021). Há várias estratégias para jogar. Nos últimos anos foram surgindo

novas técnicas, como o hypertapping (apertar o controle muitas vezes para mover as peças

mais rápido) e o t-spin — girar a peça "T" no último segundo, para encaixá-la num espaço

apertado.

Em Tetris 99, lançado em 2019 para o Nintendo Switch, finalmente se tornou possível

jogar online, contra qualquer pessoa — justamente o que Pajitnov queria fazer, lá no começo

dos anos 1980. Nesse modo, a cada vez que você completa e elimina uma linha, ela vai para a

tela do adversário, complicando a vida dele. Pajitnov adora jogar assim, mas diz que não é

muito bom. "Você precisa escolher uma estratégia e focar nela. Mas o meu estilo, e que eu

recomendo, é só jogar e se divertir." É inevitável: uma hora você não vai mais conseguir formar

as linhas e eliminar as pecinhas. Aí o tabuleiro transborda, e o jogo acaba. O desfecho é

sempre o mesmo. A graça está no caminho que leva até ele — tanto em Tetris quanto na vida.


COMO JOGAR BEM As estratégias do americano Jonas Neubauer, sete vezes campeão mundial.


1- SEJA DENSO – Faça blocos compactos com encaixes perfeitos - mesmo que isso acabe

formando pilhas altas e deixando um vazio ao lado. Eventualmente, o jogo dará a você uma

peça que se encaixa perfeitamente no "poço" - e você completará várias linhas e uma só vez.

2- APRENDA A GIRAR – Rotacionar as pecinhas, enquanto elas estão caindo, é essencial para

jogar bem. Tente se lembrar de que você pode girar cada uma no sentido horário ou anti-

horário. Iniciantes costumam girar as peças só no sentido horário, desperdiçando cliques e

tempo. 3- ANTECIPE AS LANCES – O jogo mostra, em uma janelinha no canto direito da tela,

qual peça você receberá em seguida. Crie o hábito de olhar para essa janelinha assim que


possível (quando a peça atual ainda estiver caindo). Você ganha tempo, e já se prepara para a

próxima peça. 4- VELOCIDADE > PERFEIÇÃO – As suas decisões não têm de ser perfeitas. É

melhor ser capaz de agir rápido especialmente quando as peças começam a cair mais

depressa. "Um mestre de Tetris pode olhar um menu [de restaurante], e escolher em menos

de 10 segundos", disse Neubauer. 5- FIQUE CALMO – "De vez em quando, você vai errar. Não

entre em pânico. É só construir em volta." Vá preenchendo os espaços ao lado do "buraco"

que se formou, e uma hora você conseguirá desfazer a lacuna.


 TECNOLOGIA DO METAVERSO

A ideia de que estava para surgir um mundo virtual

unificado e totalmente imersivo impulsionou um mercado bilionário de propriedade digital e

fez o Facebook mudar de nome. Parecia o início de uma nova era. Mas não rolou. Entenda o

que deu errado, o que vingou de fato — e se o conceito de metaverso ainda tem futuro. Texto

RAFAEL BATTAGLIA Edição: ALEXANDRE VERSIGNASSI


“SERÁ O SUCESSOR DA INTERNET MÓVEL”, disse Mark Zuckerberg sobre o metaverso

em outubro de 2021 durante a Connect, a conferência anual do Facebook voltada à realidade

virtual.

“Isso é muito Black Mirror”, disse provavelmente qualquer um que assistiu àquela

apresentação. Durante uma hora, Zuckerberg navegou por hologramas, jogos imersivos e

festas virtuais repletas de avatares para mostrar como a tecnologia poderia, no futuro, mudar

a maneira como as pessoas trabalham, estudam, fazem exercícios — e se relacionam.

A aposta foi alta. “Todos os nossos produtos, incluindo aplicativos, agora

compartilham uma nova visão: ajudar a dar vida ao metaverso.” Para concretizar a decisão,

Mark anunciou que a empresa-mãe do Facebook (dona também do WhatsApp e do Instagram)

estava mudando de nome para Meta.

O anúncio balançou o mercado de tecnologia — e não demorou para que outras

empresas do setor abraçassem a ideia: em janeiro de 2022, a Microsoft adquiriu a

desenvolvedora de jogos Activision Blizzard (Call of Duty, World of Warcraft, Candy Crush) por

US$ 68,7 bilhões, sob a justificativa de que o acordo ajudaria a gigante a construir o seu

próprio metaverso.

Em 2022, um relatório da consultoria McKinsey estimou que o metaverso poderia

movimentar US$ 5 trilhões até 2030. O Citibank foi ainda mais longe: US$ 13 trilhões (para

comparar, todo o PIB anual do Brasil é de “apenas” US$ 2 tri).

A apresentação de Zuckerberg foi também uma espécie de manifesto. O bilionário

ressaltou que o metaverso não seria construído apenas pela Meta — e sim por um esforço

coletivo das empresas tech. Ele advertiu que os investimentos seriam altos e não teriam

retorno imediato — mas que a tecnologia se estabeleceria em um prazo de cinco a dez anos.


Ao que parece, ninguém quer esperar tanto tempo assim.

Menos de dois anos após o anúncio da Meta, o interesse pelo metaverso minguou. A

Microsoft fechou o AltspaceVR (ambiente de realidade virtual adquirido pela empresa em

2017) e demitiu vários funcionários ligados ao HoloLens, seu óculos VR. Disney e Walmart, que

haviam iniciado projetos na área, também andaram para trás. Nos primeiros cinco meses de

2023, os investimentos em startups de metaverso somaram US$ 664 milhões — uma queda de

77,4% em relação ao mesmo período de 2022 (US$ 2,9 bi).

Na Meta, a divisão Reality Labs, de realidade virtual, perdeu US$ 13,7 bilhões em

2022. A empresa, que havia anunciado 10 mil vagas na Europa voltadas ao metaverso, fez o

contrário: cortou 10,6 mil pessoas (de diversas áreas) desde o início de 2023, em três rodadas

de demissões. A companhia chegou a valer US$ 1 trilhão em 2021. Agora, é cotada em mais

modestos US$ 700 bi.

O metaverso implodiu? Existe algum futuro para ele? E o que significa metaverso,

afinal? É o que veremos nas próximas páginas.


MEIO SCI-FI, MEIO REALIDADE

O metaverso é a convergência de duas ideias que existem há décadas: realidade

virtual e a de uma segunda vida digital. A palavra apareceu pela primeira vez em 1992 no livro

Snow Crash, do escritor americano Neal Stephenson (“meta” vem do grego e significa “além”).

Na obra distópica de Stephenson, um mundo virtual serve de refúgio às pessoas

depois que a economia global colapsou. É uma “avenida” com 6 mil km de extensão (cinco

vezes o diâmetro da Terra), onde vivem 120 milhões de avatares.

Snow Crash virou um queridinho do mundo tech. O livro inspirou os criadores do

Google Earth (há uma versão fictícia do app no romance, imaginada obviamente bem antes da

versão real). Também era leitura obrigatória para os desenvolvedores do Xbox. Stephenson

popularizou o metaverso — mas não foi o primeiro a escrever sobre o conceito.

Em 1935, um conto do escritor Stanley G. Weinbaum já detalhava uma invenção bem

parecida com um óculos VR. Nas décadas seguintes, Isaac Asimov, Philip K. Dick, William

Gibson e outros pesos-pesados da ficção científica escreveram suas próprias versões de

realidades digitais alternativas.

Nos anos 1970, surgiram os MUDs, primeiros jogos de RPG para computador. Eram só

texto na tela, mas já ofereciam ao jogador algum nível de controle sob um mundo virtual. Em

1986, a Lucasfilm (empresa por trás de Star Wars) lançou Habitat, um jogo para o computador

Commodore 64 em que era possível criar visualmente ambientes e personagens (num 2D

pixelado, mas já estava valendo).

No mundo de Habitat, os usuários definiam as leis e tinham de negociar recursos para

sobreviver. Foi um sucesso. Chegou a ter quatro milhões de jogadores (que se conectavam via

linha telefônica), e foi o responsável pela popularização do termo “avatar” para se referir ao


“corpo” virtual de alguém (a palavra vem do sânscrito e tem a ver com a manifestação de

divindades hindus na Terra).

O sucessor mais notório de Habitat foi o Second Life, lançado em 2003. A Linden Labs,

empresa responsável pelo game, nunca o definiu como tal — mas como um ambiente 3D em

que usuários (os “residentes”) são capazes de reproduzir todos os aspectos cotidianos:

estudar, trabalhar, passear, namorar.

No Second Life, dava para ter aulas de esqui, viver como um samurai e frequentar

galerias de arte. Todas as transações (de imóveis, produtos e serviços) eram feitas com uma

moeda própria, o dólar Linden (L$) — que podia ser trocado por dólar de verdade.

O trunfo do Second Life foi atrair empresas de vários setores — que viram na

plataforma a chance de ganhar dinheiro no mundo real. Amazon, Sony, Adidas e Disney foram

algumas das multinacionais que apostaram nesse metaverso. A Nissan, por exemplo, instalou

uma concessionária virtual para vender cópias digitais de seus carros. A agência de notícias

Reuters fundou um “escritório” para cobrir o que acontecia por lá. E Harvard ofereceu um

curso de direito exclusivo.

Em 2006, a jogadora Ailin Graef foi capa da revista Business Week após ter conseguido

lucrar US$ 1 milhão vendendo terrenos virtuais no Second Life. No ano seguinte, a Linden Labs

criou um mercado de ações para dar um gás nas empresas que operavam ali. Em 2009, a

economia da plataforma era avaliada em meio bilhão de dólares — e usuários transformaram

seus L$ ganhos ali em US$ 55 milhões no mundo real.

O hype, contudo, passou. Para rodar bem, o Second Life exigia bons processadores e

placas gráficas — coisa rara na primeira década do século 21. Além disso, era um ambiente

pouco seguro: notícias falsas, tentativas de golpe e falhas de privacidade eram recorrentes. A

plataforma existe até hoje — só que mal se ouve falar dela.


AS APOSTAS RECENTES

Em 2015, O Facebook comprou a Oculus VR, fabricante de dispositivos de realidade

virtual, por US$ 2 bilhões. A empresa estava de olho no Oculus Rift, uma das grandes apostas

do mercado de videogames. Em 2019, lançou a linha de óculos Quest e anunciou a produção

de Horizon Worlds, o metaverso da empresa (que ainda não tinha essa alcunha, diga-se, e seria

lançado em 2021).

Enquanto isso, outras plataformas começaram a despontar na rede: os metaversos

baseados em NFTs.

Você deve ter ouvido falar que NFT é a sigla em inglês para “token não-fungível”. Tá, e

daí? “Token” significa objeto virtual. “Não-fungível” é “não substituível” — algo como a

escritura de uma casa. Um NFT, então, é justamente isso: um objeto virtual com escritura. Se

você adquiriu um objeto com registro NFT, ele pertence a você.


As NFTs só são possíveis graças às redes de blockchain, que surgiram para registrar

transações envolvendo criptomoedas de forma eterna — e inviolável. A primeira rede dessa

linha a desenvolver um sistema para emitir essas escrituras digitais foi a Ethereum, cuja

moeda, que também se chama Ethereum (ETH), é a segunda maior cripto do mundo: US$ 227

bilhões de valor de mercado; perde apenas para o Bitcoin (US$ 529 bi).

As NFTs viralizaram entre 2021 e 2022 muito por conta das artes digitais: galerias

online comercializavam “JPEGs com escritura” a preços altíssimos, dada a exclusividade da

coisa (igualzinho ao mercado de arte do mundo real). Mas elas também despontaram em

outro setor: o de metaversos com terrenos virtuais à venda.

Esses metaversos são ambientes virtuais “descentralizados”. Isso porque os

“registros” dos terrenos não ficam armazenados em um único servidor central, mas

espalhados em máquinas de milhares de usuários (essa é outra essência das redes de

blockchain, além da inviolabilidade). Nesses metaversos, há uma quantidade finita de “terra

disponível para construir casas, shoppings, cassinos, museus...

Qualquer um pode comprar e vender esses lotes — há, inclusive, imobiliárias

especializadas em propriedades virtuais. A lógica é a mesma do mundo real: nas áreas mais

movimentadas do metaverso, os terrenos custam mais; nos “subúrbios”, menos. Também dá

para comprar e vender acessórios de avatares via NFT.

As transações acontecem via cripto. Os metaversos mais célebres dessa linha são o

Decentraland e o The Sandbox, lançados em 2020. E cada um possui a sua própria moeda: a do

Decentraland é a MANA e funciona na rede do Ethereum; a do Sandbox é a SAND e opera em

outra rede, a da Binance.

O interesse em torno de Decentraland, Sandbox e cia. cresceu após o anúncio da

Meta, em 2021. Assim como o Second Life, esses metaversos atraíram grandes marcas e gente

interessada em fazer dinheiro. O Decentraland, por exemplo, vendeu por US$2,4 milhões um

terreno no seu distrito de moda. Atraiu patrocínio de empresas como Nike, Louis Vuitton e

Burberry. No auge, chegou a valer US$ 1,4 bilhão.

O Sandbox, por sua vez, recebeu eventos das grifes Gucci e Balenciaga e alcançou US$

1,3 bilhão em valor de mercado. É nessa plataforma que aconteceu a maior venda de um

terreno virtual até agora: o equivalente a US$ 4,3 milhões por um naco de metaverso, em

2021.

Só tem um problema: as transações que acontecem nessas plataformas são altamente

especulativas. Quem entra nesse negócio espera que os terrenos se valorizem para que, no

futuro, possam revender a um preço maior.

Vale o mesmo para as criptos envolvidas. Como a MANA e a SAND são emitidas pelas

companhias por trás desses metaversos, a cotação delas no mercado significa dinheiro em

caixa para essas empresas. Em 2021, a MANA chegou a subir de US$ 0,08 para US$ 4,80 a

unidade. Uma alta de 5.900%. A SAND, de US$ 0,04 para US$ 7,53, 18.725%. Só que o valor das

criptos necessárias para comprar os terrenos depende de o assunto “metaverso” se manter

em alta. Do contrário, essa óbvia bolha estouraria.


E foi exatamente o que aconteceu.


O FIM DO HYPE

Na segunda metade de 2022, o Facebook já tinha vendido 15 milhões de cópias do seu

óculos de VR Quest 2 (no momento, as vendas estão em 20 milhões). Contudo, só havia 300

mil usuários ativos no Horizon Worlds (hoje, menos ainda: 200 mil). O que aconteceu?

O Horizon tinha bugs frequentes. Além disso, os gráficos eram inferiores ao que a

Meta havia prometido. Em um caso emblemático, Mark Zuckerberg tirou uma “selfie” do seu

avatar dentro do jogo para divulgar que o serviço estava se expandindo para França e Canadá

(nunca chegou ao Brasil). O visual do personagem, que parecia saído de um game do começo

dos anos 2000, virou piada.

Em outubro, uma reportagem do The New York Times ouviu funcionários da Meta e

deu detalhes sobre o clima conturbado da empresa. Aquela altura, 42% dos trabalhadores não

entendiam as estratégias da companhia sobre metaverso. As principais reclamações vinham da

alta rotatividade e da troca de funcionários à medida que os objetivos de Zuckerberg

mudavam. Eram poucos os funcionários que de fato usavam o Horizon Worlds.

“Se nós não amamos o nosso produto, como esperar que os usuários o amem?”, disse

Vishal Shah, vice-presidente da divisão de metaverso da companhia, em um comunicado

interno — não era uma crítica, mas um pedido pela maior presença dos empregados da Meta

dentro do Horizon. Pelo jeito, não era o que bastava para a coisa engrenar.

Em 2022, o mercado perdeu a paciência com os maus resultados do Horizon. A Meta

perdeu dois terços do seu valor de mercado, fechando o ano em US$ 320 bilhões. Se o

metaverso de Zuckerberg ia mal, imagine os outros. No final do ano passado, uma pesquisa do

DappRadar, empresa que monitora dapps (apps descentralizados, na sigla em inglês), mostrou

que os metaversos de NFTs estavam vazios: o Decentraland tinha 650 usuários ativos por dia;

The Sandbox, Só 522.

As empresas alegaram que as informações estavam incompletas: a Dapp só

contabilizou as transações diárias de NFTs (e não se espera mesmo que todos lá dentro façam

comércio de itens todos os dias). O Decentraland disse que o número real de usuários era de 8

mil por dia; o Sandbox, 39 mil. Mesmo assim, era pouco de qualquer jeito. As cotações da

MANA e da SAND, que já vinham em queda desde 2021, despencaram de vez. Hoje, ambas

estão abaixo de US$ 0,50. Os lotes virtuais, consequentemente, baratearam. O preço médio do

“metro quadrado” no Decentraland, por exemplo, tombou de U$ 6.000 em 2021 (o dobro do

Leblon) para US$ 5. Mas fica a pergunta: você quer mesmo gastar o seu dinheiro com isso?


UM FUTURO REALISTA O prejuízo no plano do metaverso não foi a única causa da

desvalorização da Meta. Já faz algum tempo que a empresa enfrenta desafios para manter

usuários — e ganhar dinheiro com eles. A concorrência do TikTok afastou os mais jovens do


Instagram e praticamente sepultou o Facebook, que mesmo antes do app chinês já tinha

desabado na preferência desse público. E uma mudança nas configurações de privacidade da

Apple no início de 2022 fez com que as redes sociais da Meta passassem a receber menos

dados de cada perfil que as acessava pelos aparelhos da empresa da maçã. Isso dificultou a

venda de anúncios, que é de onde vem a grana da Meta.

O metaverso, então, era a aposta da companhia para uma nova fonte de renda. O

problema, talvez, tenha sido colocar todos os ovos numa única cesta. Para Matthew Ball,

consultor e autor do livro A Revolução do Metaverso, a atitude da empresa estimulou

previsões irreais sobre quando a tecnologia deslancharia. “O foco intenso no metaverso em

um curto período de tempo, com alguns argumentando que ele já estava aqui (ou estava

prestes a acontecer), desapontou muita gente”, disse Ball ao New York Times.

No início de 2023, Zuckerberg estabeleceu o “ano da eficiência”, para a Meta. Além de

enxugar o quadro de funcionários, o CEO anunciou investimentos em inteligência artificial. Em

uma carta aberta divulgada no final de março, ele falou sobre os planos da empresa para

incorporar a IA em seus produtos. Mark também citou o metaverso — mas com muito menos

ênfase. A nova postura ajudou a Meta a recuperar terreno, com o valor de mercado subindo

daqueles US$ 320 bi para os atuais US$ 700 bi.

Game over para o metaverso? Não dá para cravar. No começo de junho, a Apple

lançou o Vision Pro, o seu óculos VR em desenvolvimento há sete anos. O gadget, que será

vendido a US$ 3,5 mil, é um aparelho de “realidade mista”: funciona tanto em realidade virtual

(100% imersiva, como o Quest da Meta) quanto em realidade aumentada, com elementos

sobrepostos ao ambiente (tipo Pokémon Go). A altíssima resolução das imagens (60 vezes

maior que a tela do iPhone) pode dar um novo boost ao conceito de metaverso. Mas isso só o

tempo dirá.

O mundo dos games é o que oferece um futuro plausível para o metaverso. Criado em

2006, o Roblox é uma plataforma de interação via avatares que permite criar novos mundos (e

jogos dentro deles). Trata-se de um fenômeno: possui 66 milhões de usuários ativos (a maior

parte deles, jovens de até 13 anos); a cada dia, os usuários criam 15 mil novos joguinhos

(chamados de “experiências”).

Dá para acessar o Roblox via computador, dispositivo móvel ou do Xbox. Os planos de

expansão da empresa almejam experiências online mais imersivas. Mas a companhia é

cautelosa, e já afirmou que um metaverso pleno ali dentro ainda está longe.

A Epic Games também tem projetos para os metaversos dos seus jogos. Um dos

planos é desenvolver ferramentas que ajudem os usuários do Fortnite a ganhar dinheiro com

suas criações na plataforma — estimulando, assim, uma economia interna do jogo. O CEO da

Epic Games, Tim Sweeney, é um dos principais defensores de que o metaverso ainda é uma

tendência em crescimento.

O conceito por trás do termo “metaverso” inclui algo utópico: a promessa de uma

plataforma única, que englobe todas as que já existem (permitindo, assim, a livre circulação de

avatares entre elas). É por isso que o termo costuma aparecer por aí no singular, não no plural.


Mas se trata de um sonho distante. Para que ele se torne realidade, é preciso que os sistemas

conversem entre si por meio de protocolos-padrão. É o que rolou nos anos 1990, quando

consórcios internacionais de cientistas estabeleceram as bases para a internet de hoje.

As empresas tech, então, precisariam trabalhar juntas — algo pouco provável. “O

modelo de negócio da maioria dessas companhias é baseado na não-transparência’, diz

Beatrys Rodrigues, pesquisadora de tecnologias emergentes na Universidade Cornell (EUA).

Não apenas por questões de privacidade e de segurança: a fonte de renda delas vem,

justamente, dos dados que elas possuem de cada usuário. “Por que elas compartilhariam

isso?”

O problema não para por aí. A euforia do metaverso começou durante a pandemia.

Sem ter como sair de casa, a ideia de um mundo virtual imersivo parecia atraente. Pode até

ser que ele vingue no futuro. Mas não há como garantir. Se o lockdown nos ensinou algo,

afinal, é: a parte da vida que realmente importa está do lado de fora das telas.

PSICOLOGIA – A NEUROCIÊNCIA DO FLOW

 PSICOLOGIA – A NEUROCIÊNCIA DO FLOW Esquecer do mundo externo, perder a noção de

tempo e ficar totalmente imerso naquilo que está fazendo. Se você reconhece essa sensação,

provavelmente já experienciou o “estado de fluxo”. Conheça o estado mental responsável pelo

sucesso de atletas e artistas — e saiba como ajudar sua mente a atingi-lo. Texto Maria Clara

Rossini Edição Alexandre Versignassi


FIZ TODAS AS RECOMENDAÇÕES que encontrei em livros e pela internet: desliguei as

notificações do celular, tentei focar ao máximo no que estou fazendo e minimizei qualquer

possibilidade de distração que me tirasse do momento presente. Para escrever este texto, me

propus a entrar em um estado mental de intensa concentração, conhecido pela psicologia

como flow, ou estado de fluxo.

Essa é a situação que combina a alta performance em determinada tarefa com o baixo

esforço para realizá-la. Quando o cérebro assume esse modus operandi, o indivíduo não vê

mais o tempo passar, fica imerso na atividade, não se preocupa com autocríticas nem pensa

em qualquer outra coisa. A tarefa que desencadeia o flow se torna recompensadora e

prazerosa por si só.

É bem provável que você já tenha experimentado o flow em algum momento da vida

— seja praticando um esporte, tocando um instrumento ou mesmo jogando videogame. O

estado de fluxo aparece no filme Soul, da Pixar: ali, as “almas” das pessoas que entram em

flow são transportadas para uma outra dimensão, onde ficam inteiramente absortas naquilo

que estão fazendo. No mundo real, as pessoas costumam se referir a esse lugar mental como

“a zona” (the zone, em inglês, o idioma original do termo).

Para entrar nessa zona invejável, o desafio da tarefa em questão não pode ser maior

que a habilidade do indivíduo — isso só geraria ansiedade e frustração por não conseguir

realizá-la. Mas também não pode ser menor, o que deixaria a pessoa entediada. O equilíbrio

entre desafio e habilidade é o segredo para atingir o estado de fluxo.


Alguns autores já tentaram traduzir o fenômeno em palavras, bem antes de a

psicologia catalogá-lo. O alemão Nietzsche apelidou a coisa de estado de Rausch —

intoxicação”. Na filosofia taoísta, a sensação está relacionada ao Wu Wei, o princípio da “ação

sem esforço”. Já quem sistematizou as características do flow como as conhecemos foi o

croata Mihaly Csikszentmihalyi, na década de 1970.

Esse psicólogo (cuja pronúncia do sobrenome é “cíkzen-mihalí”) identificou o estado

de fluxo enquanto fazia pesquisas sobre criatividade. Após conversar com músicos, atletas,

gestores e trabalhadores de fábrica, ele notou que muitos usavam a palavra “fluida” para

descrever a sensação, como se agissem guiados por um fluxo. Daí o nome.

Já entrei em flow enquanto escrevia diversos textos: é como se as palavras fluíssem

para a página, como foi descrito pelos entrevistados de Csikszentmihalyi. Mas, justamente

neste texto sobre flow, pareço estar tendo alguma dificuldade. E não é à toa. Uma das “regras”

do estado de fluxo é que ele não funciona sob demanda. Não surge quando você quer, mas

espontaneamente — e, em geral, você só percebe o que aconteceu quando sai dele.

Foi a partir de entrevistas e questionários que Csikszentmihalyi descobriu a

universalidade do flow. Agora, técnicas de neuroimagem começam a desvendar o que ocorre

no cérebro durante esse estado.


O ESFORÇO SEM ESFORÇO

Os cérebros de outras espécies de mamíferos são proporcionalmente menores

quando comparados ao nosso. Isso é explicado, em parte, por uma região chamada córtex pré-

frontal, que é mais desenvolvida nos humanos. Ela é a responsável pelo raciocínio lógico, pelo

planejamento.

Não seria absurdo pensar que os momentos de alto desempenho — seja escrever um

livro, pintar um quadro ou tocar um instrumento — exigem mais atividade dessa região do

cérebro. Olhando de fora, temos a impressão de que cada palavra, pincelada ou nota musical

foi pensada para se encaixar perfeitamente na obra.

Mas dentro do crânio do artista ocorre justamente o contrário. Estudos feitos com

ressonância magnética funcional e fNIRS (métodos distintos que monitoram o fluxo de sangue

pelo cérebro) mostram uma redução da atividade do córtex pré-frontal durante o flow. Ou

seja, Monet não decidia nem planejava onde iria cada cor de tinta — tudo funciona no modo

automático. Esse mesmo padrão cerebral está relacionado a atividades habituais, como

escovar os dentes, tomar banho, trocar de roupa. São tarefas que exigem pouquíssimo esforço

mental, mas que executamos muito bem. “A gente pode definir o flow como um estado de

maior eficiência do hábito”, diz Dráulio de Araújo, professor do Instituto do Cérebro da UFRN

que estuda estados alterados de consciência. “Não é simplesmente fazer automaticamente,

mas fazer da forma mais adequada possível.”


A menor atividade do córtex pré-frontal também significa menos “filtros” sobre

nossas ações. Quem está em flow não se preocupa com os julgamentos externos e internos —

o que torna a expressão da atividade mais intensa.

Que o diga Ayrton Senna. Em 1988, ele descreveu perfeitamente um estado de fluxo.

Na classificação para o GP de Mônaco daquele ano, Senna garantiu o primeiro lugar no grid

com 1,4 segundo de vantagem sobre o companheiro de equipe, Alain Prost — um assombro;

0,4 já seria considerado muito. “Eu já não estava dirigindo de forma consciente. Me senti em

outra dimensão. O circuito virou um túnel para mim, no qual eu só ia, ia, ia...”

Outra área da massa cinzenta que “desliga” durante o flow é o córtex cingulado

anterior. Dentre outras funções, ele está relacionado ao direcionamento da atenção. Sabe

aquele esforço para prestar atenção a uma aula ou uma reunião chata? Isso não rola no flow:

quando você entra nesse estado, o foco ocorre de forma natural, como se não houvesse mais

nada no mundo. Um enxadrista entrevistado por Csikszentmihalyi definiu bem: “O teto

poderia cair, mas, contanto que não caísse na sua cabeça, você nem ia perceber”.

O flow guarda características semelhantes ao hiperfoco: um estado de concentração

intensa, mais frequente em pessoas que fazem parte do espectro autista ou possuem

transtorno de déficit de atenção. Mas, diferente de estar concentrado em ler um livro, o

estado de fluxo exige a realização de uma tarefa ativa na qual você tenha alguma habilidade.

Não coincidentemente, as regiões do cérebro mais atuantes durante o flow são aquelas

associadas a funções motoras.

Durante esse estado mental também há picos de atividade em áreas relacionadas à

recompensa (núcleo accumbens, por exemplo). A realização da tarefa promove descargas de

neurotransmissores que causam prazer, como dopamina, serotonina, noradrenalina e

endorfinas. Não é à toa que diferentes pesquisas associam momentos de flow a maiores

índices de bem-estar, autoestima e felicidade.

Para se sentir bem durante uma tarefa, você precisa saber que está indo bem nela.

Receber um “feedback” imediato de você mesmo é outro ponto que facilita o flow: acertar as

notas enquanto toca uma partitura, capturar peças do oponente durante uma partida de

xadrez, fazer curvas fechadas de pé embaixo na classificação para o GP de Mônaco....

Como você viu no início do texto, não existe receita de bolo para entrar no estado de

flow. Mas a boa notícia é que algumas pessoas aprenderam a manuseá-lo a seu favor — e dá

para aprender com elas.


O SEGREDO DOS CRAQUES

Todo mundo pode sentir flow, mas é fato que atletas atingem esse estado com mais

frequência. “Quando as habilidades de dois atletas de alta performance empatam, quem

ganha hoje ou amanhã vai ser decidido nos detalhes”, diz Araújo. “E esses detalhes podem ser

decididos pelo estado de flow. Ali é o limite da expressão de tudo que eles treinaram e

aprenderam até o momento.”


Os desportistas levam isso a sério. O psicólogo do esporte George Mumford,

considerado o mestre do flow, já trabalhou com os maiores craques da NBA. “Eles sabem o

que é estar ‘na zona’ e o que é ‘estar em flow’. Quando eu falo sobre isso, eles são todos

ouvidos”, disse em entrevista à ABC News. Michael Jordan e Kobe Bryant já atribuíram diversas

vitórias ao treinamento que fizeram com Mumford.

O psicólogo aposta na meditação mindfulness como uma maneira de acessar o estado

de fluxo mais facilmente. Ela nada mais é do que uma técnica de meditação focada no

momento presente. Em vez de “transcender”, o principal intuito do praticante é colocar a

mente no aqui e agora.

Essa também é uma das abordagens de Aline Wolff, psicóloga que acompanha atletas

de alta performance, incluindo a ginasta Rebeca Andrade. Ela ressalta que certas práticas antes

da competição geralmente facilitam a sintonização nesse estado mental. “Se um atleta tiver

um monitoramento de metas, uma boa rotina pré-competição e praticar mindfulness se

possível todos os dias, ele terá uma tendência maior a entrar no estado de flow.”

Não é necessário ser uma lenda do basquete ou uma medalhista olímpica para seguir

passos como estabelecer objetivos claros, adotar uma rotina e meditar. Se as suas habilidades

não lhe permitem entrar em flow dando um mortal para trás, talvez você sinta o mesmo

prazer no seu emprego.

O livro Flow: a Psicologia do Alto Desempenho e da Felicidade dá exemplos de

cirurgiões, açougueiros e operários que relatam atingir esse estado durante o trabalho. Um

soldador, por exemplo, contou que consegue ter momentos de flow na fábrica ao estabelecer

pequenos recordes de tempo, que tenta bater todos os dias.

Atividades ligadas à gestão podem oferecer mais desses momentos. Uma pesquisa

buscou avaliar esse tema oferecendo um pager a 78 profissionais de diferentes áreas. O

aparelho apitava em horários aleatórios ao longo do dia: sempre que ouvisse o bipe, o usuário

deveria relatar se estava em estado de fluxo ou não. 64% dos trabalhadores na posição de

gerência relataram o flow em algum momento do trabalho, em comparação com 51% dos

funcionários de escritório e 47% dos operários.

Embora exista alguma diferença na porcentagem de flow em cada ocupação.

podemos concordar que ela não é tão grande. Desde que os pré-requisitos sejam cumpridos

(metas claras e desafio equilibrado com a habilidade), qualquer ofício pode desencadear o

estado de fluxo e, consequentemente, gerar prazer.

Por outro lado, os participantes do estudo relataram baixas taxas de flow durante os

momentos de lazer (cerca de 16%). Isso porque estamos acostumados a realizar atividades

passivas no tempo livre — e você não vai entrar em fluxo enquanto assiste TV ou vê vídeos no

TikTok.

Mas há uma atividade comum de lazer capaz de gerar enxurradas de flow — jogar

videogame. Pensa só: eles proporcionam uma experiência de imersão; estabelecem metas

claras; oferecem um feedback imediato de sua performance (você sabe se está indo bem ou


mal); e, principalmente, regulam o desafio de acordo com as habilidades do jogador (por meio

de níveis).

Os videogames se encaixam tão bem no conceito que passaram a ser usados para

desencadear o estado de fluxo em participantes de pesquisas sobre o tema (Tetris, o assunto

da pág. 46, uma das opções mais usadas). Isso também explica por que os games são tão

viciantes, principalmente para adolescentes: os jovens podem ainda não ter descoberto outras

atividades que geram flow. Obviamente, o ideal é transportar esse estado para tarefas

produtivas. De outra forma, elas serão apenas fonte de tédio.

Em suma, o estado de fluxo é maneira mais intensa de viver o presente. Lembre-se de

que o futuro é só uma criação do seu córtex pré-frontal; e que o passado são páginas viradas.

O único tempo que existe de fato é o aqui e o agora. Mergulhe nele, e deixe o fluxo te levar.


O CAMINHO DO FLOW O principal pré-requisito para atingir o estado de fluxo está resumido

no gráfico ao lado. Qualquer pessoa pode entrar em flow, desde que a tarefa proposta esteja

equilibrada com sua habilidade. – ANSIEDADE: Uma tarefa muito desafiadora gera estresse e

frustração em quem tenta realizá-la. O ideal é escolher algo de nível igual ou ligeiramente

maior que a sua capacidade. – TÉDIO: Uma vez que você adquire habilidade suficiente em

determinada tarefa, não vale ficar no mesmo nível. Não ter a sensação de progresso desmotiva

o individuo, gerando tédio em vez de flow.


REQUISITOS PARA ATINGIR O ESTADO DE FLUXO Não dá para escolher quando entrar em flow -

mas você pode começar pelos quatro pontos abaixo. - O desfio deve ser equilibrado com a

habilidade - Escolha de objetivos claros - Concentração intensa e focada no momento

presente. - Autofeedback imediato – saber se você está indo bem, na tarefa.


CARACTERÍSTICAS DO FLOW Além do envolvimento profundo na tarefa, o estado de fluxo tem

outras propriedades. - Sensação de controle sobre a ação. - Diminuição da autoconsciência e

da auto crítica. - Mudança na percepção do tempo – que pode ser dilatada ou contraída. - A

experiência se torna recompensadora por si só.


4#3 BIOLOGIA – TERRA DE GIGANTES Em 1874, um naturalista alemão depressivo propôs que

os primeiros animais foram colônias de células chamadas coanócitos, que formaram as

esponjas-do-mar. Mas pesquisas recentes apontam outro caminho para a evolução de seres

grandes como nós – que passa por células-tronco e pinta um panorama mais colorido para a

origem da fauna na Terra. Texto Bruno Vaiano Edição Alexandre Versignassi


ERNST HAECKEL ERA estudante de medicina, filho de um conselheiro da corte

prussiana, e “provavelmente o homem mais bonito que eu já havia visto”, escreveu um de

seus alunos. Ele e sua prima de primeiro grau, Anna, eram apaixonados desde a adolescência

— o que, longe de ser um problema, era o sonho de todo clã aristocrático da Europa no século

19: Darwin, por exemplo, se casou com sua prima, e o irmão dela, com a irmã de Darwin. A

ideia era manter a herança na família e preservar o poder dos sobrenomes.

Haeckel era o partidão perfeito, não fosse um problema: sua semelhança com Darwin

não parava no casamento endogâmico. Ele também queria ser naturalista. O que, no século

19, equivalia a contar para seu tio-do-pavê-e-futuro-sogro que você largaria Medicina da USP

para ser músico. Para convencer a família de que conseguiria sustentar sua prima-noiva, ele

saiu em turnê pelo sul da Europa, estudando animais marinhos nas praias e desenhando-os em

minúcias.

Deu certo. Haeckel escreveu best sellers, virou professor universitário e suas

ilustrações foram uma sensação. Com a grana no bolso, casou-se com Anna. Um ano e meio

depois, aos 29 anos, ela morreu (talvez de febre tifoide, mas não houve diagnóstico). Deprê e

niilista, ele abandonou a fé religiosa e abraçou de vez a evolução por seleção natural. Viciou-se

em trabalho, dormia quatro horas por noite, e começou a traçar imensas árvores da vida na

Terra, que indicavam o grau de parentesco entre as espécies.

Nem todos os insights de Haeckel estavam certos. Mas, dentre suas hipóteses de

arrepiar os cabelos da Igreja, uma, em particular, sobrevive na biologia: nós (e todos os

animais da Terra) somos netos do Bob Esponja.


QUESTÕES POROSAS

As esponjas são tubos de células que se apoiam em rochas, no fundo do mar. A água

entra pelas paredes desses cilindros, que filtram os nutrientes e deixam o resto sair pela

abertura no topo. Elas não têm tecidos ou órgãos especializados, como acontece com nosso

sangue, rins ou pulmões. Todo o corpo se dedica à tarefa de caçar petiscos microscópicos,

passivamente. São os animais mais simples que existem.

Em 1874, Haeckel percebeu que as células filtradoras de comida das esponjas, os

coanócitos, têm exatamente a mesma arquitetura de micróbios aquáticos chamados

coanoflagelados. Eles são criaturinhas microscópicas inofensivas e onipresentes nas águas da

Terra, com um quinto da largura de um fio de cabelo, formadas por uma célula só.

Pertencem ao reino Protista, aquele em que os biólogos põem as coisas que eles não

sabem direito o que são (rs). Um saco de gatos taxonômico. Protistas não são fungos, animais

nem plantas. Mas suas células têm estruturas complexas que esses seres vivos grandões

também apresentam — como um núcleo para guardar o DNA, e usinas de geração de energia

chamadas mitocôndrias. Por isso, animais, plantas, fungos e protistas formam, juntos, o grupo


dos eucariontes, em oposição aos procariontes, que são as bactérias e outros seres mais

despojados, sem núcleo nem mitocôndria.

Existem protistas multicelulares, visíveis a olho nu, como as algas (pois é, elas não são

plantas). Mas muitos, como as amebas e protozoários, são feitos de uma célula só. É o caso

dos coanoflagelados. Vistos no microscópio, eles têm a forma de uma bola em cima de um

cone. Como a silhueta de um buraco de fechadura, ou de um peão de xadrez. A bola é a célula

em si, onde fica o DNA e o resto do maquinário biológico. Já o cone é formado por 30 ou 40

microvilosidades, filamentos que parecem tentáculos de uma água-viva. Do centro desse cone,

emerge um filamento maior, chamado flagelo, parecido com o que equipa os espermatozoides

— e com a mesma função: nadar. O conjunto da obra fica assim: —>O

E de se imaginar que esse rabinho ficasse atrás, empurrando a célula, como ocorre

com o espermatozoide. Mas a verdade é que ele nada ao contrário, com o cone e o rabinho

para frente. Como um avião com hélice no nariz: O<—

O coanoflagelado se move assim porque as microvilosidades atuam como “boca”: vão

captando bactérias e pequenas partículas de material orgânico que pairam na água. (Embora

tenha um centésimo de milímetro, esse serzinho ainda é dez vezes maior que uma bactéria

comum — a mesma diferença entre você e uma coxa de frango.)

A sacada de Haeckel foi que uma esponja do mar funciona como uma colônia de

coanoflagelados, que se uniram em uma muralha para aumentar a área de captação de

comida. A diferença é que eles abanam coletivamente seus flagelos — lembre-se, os

“rabinhos” — para sugar a água para dentro da esponja, e não para se mover. Um é Maomé

indo à montanha, o outro atrai a montanha para Maomé. Os coanócitos das esponjas atuais

seriam herdeiros de coanoflagelados. Protistas em carreira solo que se juntaram para formar o

primeiro animal, o ancestral comum de toda a fauna da Terra.

Vale esclarecer algo: isso não quer dizer que nossos ancestrais sejam os mesmos

coanoflagelados que hoje nadam pelados em Santos. Eles eram, isso sim, um protista pré-

histórico, que existiu há uns 700 milhões de anos, muito parecido tanto com os

coanoflagelados quanto com as células das esponjas — e cuja linhagem se bifurcou para dar

origem a ambos. Do mesmo jeito que nós não descendemos de chimpanzés, e sim de um

primata que não era nem humano, nem chimpanzé. É assim que as árvores darwinianas

funcionam, com ramificações, e não como uma fila do ponto A ao ponto B.

Mais de um século depois, a semelhança anatômica percebida por Haeckel se revelou

uma semelhança genética. Descobrimos que, de fato, os coanoflagelados são os protistas que

têm DNA mais parecido com o dos animais. Nossos parentes de uma célula só já têm genes

que, em nós, foram reaproveitados para produzir proteínas adesivas (que servem para

construir corpos colando” células umas nas outras) e moléculas de sinalização. que permitem

comunicação entre células. Eles já são, em suma, equipados para trabalhar em grupo.

Hoje, as 37,2 trilhões de células do corpo humano se distribuem em mais de 200 tipos,

altamente especializados: neurônios, óvulos, os cones e bastonetes da retina... Sozinhas, cada

uma delas é tão complexa quanto — ou até mais complexa que — qualquer coanoflagelado. E


todas contêm um núcleo com uma cópia completa do material genético. Mas todas topam ser

funcionárias da empresa Corpo. Isso significa ceder os direitos reprodutivos aos gametas e se

relegar à posição de célula somática, que não faz bebês.

Considerando que toda a vida na Terra evoluiu movida pelo instinto de produzir

crianças, esse é um passo organizacional e tanto: uma prova de que crescer confere vantagens

suficientes (como evitar ser comido por predadores) para compensar a perda de

independência reprodutiva. O altruísmo celular se provou uma estratégia viável para

prevalecer na seleção natural.


CARAMBOLAS

A hipótese esponjosa de Haeckel permaneceu incólume, por 140 anos, como nossa

melhor explicação para a origem dos animais. Até que apareceram as carambolas-do-mar —

nome popular dos ctenóforos, bichos aquáticos translúcidos e gelatinosos, que lembram

águas-vivas com forma de bola de rugby. Em 2017, um estudo comparativo de genomas

identificou as carambolas, e não as esponjas, na raiz da irradiação dos animais. E essa

conclusão tem respaldo no registro fóssil: no sul da China, há um fóssil de carambola de 631

milhões de anos na formação geológica de Doushantuo – uma data que corresponde à época

mais aceita para a origem dos seres multicelulares.

Nem uma coisa nem outra são suficientes para tirar o trono pioneiro das esponjas.

Afinal, sempre dá para encontrar um fóssil mais antigo neste exato momento, uma potencial

esponja de 890 milhões de anos está gerando debate entre paleontólogos. O registro

geológico não é uma foto perfeita da realidade, principalmente quando estamos tratando de

animais moles, que geralmente se decompõem sem deixar rastro. Além disso, análises

filogenéticas estão sujeitas a alguma incerteza: métodos e pesquisadores diferentes extraem

conclusões distintas dos mesmos DNAs.

Seja como for, essas duas descobertas reacendem o debate. E afora as carambolas, há

um outro front de pesquisa que desafia as ideias de Haeckel: a investigação de protistas ainda

mais estranhos que os coanoflagelados, que alternam entre estágios de vida uni e

multicelulares. Vide o caso dos mofos do lodo – que não são mofos, e não vivem

necessariamente no lodo.


DA LAMA AO CAOS

O Dictyostelium discoideum, nome do mofo do lodo mais conhecido, começa a vida

como uma ameba microscópica – um protista de célula única. Quando falta comida, essas

amebas se agregam e começam a formar uma lesma visível a olho nu, chamada

pseudoplasmódio, que tem algo entre 2 mm e 4 mm, é composta por mais de 100 mil

indivíduos e age como um organismo só.


A colônia é tão coordenada que uma molécula chamada fator de indução de

diferenciação entra em cena e faz exatamente o que o nome diz: induz as amebas de cada

região da lesma a se diferenciar, assumindo papéis distintos na locomoção. A gosma rasteja

atrás de um local quente e úmido, escolhe um bom ponto e então se transmuta em algo muito

similar a um cogumelo: um pilar que sai do solo e sustenta uma estrutura arredondada na

ponta. Esse é o corpo frutificante, que vai soltar esporos no ambiente, dando origem a amebas

bebês que reiniciam o ciclo.

Um comportamento alienígena semelhante aparece em outro ser ameboide, chamado

Capsaspora owczarzaki. Em um certo estágio da vida, ele pode tanto se agregar em colônias

como se blindar em pequenos cistos individuais. O Capsaspora não faz nada tão legal quanto

os mofos do lodo, mas sua relevância é outra: ele é um parente muito mais próximo dos

animais. Pertence ao grupo Filozoa — que inclui nós e os protistas mais parecidos.

Um casal de biólogos marinhos australianos, Sandie e Bernard Degnan, da

Universidade de Queensland, descobriram em 2019 que o padrão de expressão dos genes do

Capsaspora e de alguns coanoflagelados que formam grupos é muito parecido com o das

células das esponjas. Mas não com o dos coanócitos, que eram os candidatos de Haeckel. E sim

com o dos arqueócitos, um outro tipo de célula que recheia o bicho. Elas são células-tronco,

que podem se transmutar em qualquer outra parte do animal, incluindo os próprios

coanócitos.

Isso leva a um quadro diferente dos primeiros anos de fauna terráquea, em que os

animais não evoluíram a partir de bolas de células idênticas, e sim a partir de células que

conseguiam se metamorfosear para exercer funções diferentes ao longo de seus ciclos de vida.

Os primeiros animais seriam colônias mutantes, formadas por células-tronco que assumiam

personas biológicas conforme a necessidade. Com a evolução de bichos mais complexos, esses

coringas foram empacando em formas especializadas e perdendo a versatilidade – o processo

que deu origem aos órgãos e tecidos que nos formam hoje.

Isso não diz nada sobre esponjas ou carambolas serem os primeiros animais, mas

mostra o quão estranhas as primeiras esponjas e carambolas podem ter sido em comparação a

seus descendentes atuais. Imagina-se que os oceanos do Ediacarano — o primeiro período

geológico com fósseis de animais, que começa há 630 milhões de anos — eram um berçário

pacato de vida multicelular, sem presas e predadores. Havia apenas seres boiando e filtrando

nutrientes. No nível microscópico, porém, eles talvez fossem mais sofisticados do que damos

crédito. Ninhos de células versáteis como David Bowie, que eram Ziggy Stardust em um dia e

Alladin Sane no dia seguinte. Ch-ch-chch-changes.


GIGANTES DE LABORATORIO Existe um ramo das pesquisas sobre multicelularidade em que os

biólogos submetem células solitárias a pressões seletivas, em laboratório, para fazer com que

elas se juntem. Entenda um desses estudos, realizado no Instituto de Tecnologia da Geórgia,

nos EUA. 1- O experimento começou com leveduras, os fungos de uma célula só que

fermentam pão e cerveja. Eles foram postos em tubos de ensaio. Os mais pesados, que

afundavam mais rápido, eram selecionados e passados para um novo tubo. Os biólogos


repetiram o processo 60 vezes. 2- A ideia é que as leveduras pesadas tendem a ser blocos com

mais de uma célula, como dois pães de queijo que saem grudados do forno. Esses “siameses”

nascem quando uma levedura tenta se reproduzir se dividindo ao meio e não consegue

completar o processo por causa de uma mutação no gene ACE2. 3- Sessenta filtragens depois,

já havia grupos razoavelmente grandes de células coladas. Mas eles ainda eram microscópicos.

Para aumentá-los, os cientistas mexeram no DNA do fungo para que ele não conseguisse mais

respirar oxigênio e gerasse energia por fermentação, um processo menos eficiente. 4-

Resultado: os grupos de leveduras fermentadoras cresceram tanto que ficaram visíveis a olho

nu. Já os que respiram oxigênio precisam permanecer pequenos, porque o gás não chega até o

meio da colônia se ela é grande demais. É por problemas assim que nós evoluímos um sistema

circulatório, que distribui o gás usando o sangue.


Fonte: artigo “Oe novo evolution of macroscopic multicellularity”, por G. Ozan Bozdag e

outros.