Um gringo no Brasil
V
O silêncio e os cenários taciturnos do
film noir invadem a movimentada São Paulo com Max Payne, que tenta fugir
do seu passado, mas acaba se deparando com outros piores
Publicação: Jornal Estado de Minas 05/07/2012 - Caderno Inform@tica -Repórter Raphael Pires
O ex-policial de Nova York tem agora a missão de proteger a família de um empresário brasileiro, numa trama inteligente e bem pensada em se tratando de videogames |
Desenvolvido pela Rockstar Vancouver, Max Payne 3 é a mais recente continuação da história do personagem que leva em seu nome a alcunha de alguém que não tem nada a perder. Alcoólatra e sem emprego, o ex-policial nova-iorquino tem a missão de ser o guarda-costas da família do empresário brasileiro Rodrigo Branco. Um roteiro bastante sugestivo, uma vez que a dor de Max Payne começou justamente ao falhar em proteger sua mulher e filha, no primeiro jogo da série.
Raros são os personagens tão bem construídos como Max. Sua simpatia vem junto de comentários cínicos a respeito de sua própria situação e das coisas à sua volta. Entrar na mente dele e descobrir que verdades pessoais podem se aplicar em muita gente é uma das partes mais inteligentes e bem pensadas de tudo o que já foi feito em videogames.
CRÍTICAS Nesse terceiro episódio, as divagações do carrancudo personagem encontram os problemas sociais brasileiros e se transformam em pensamentos mais políticos que outrora. Com críticas ferrenhas ao capitalismo norte-americano e sua força prejudicial na constante desigualdade econômica do Brasil, Max Payne 3 é um retrato de São Paulo visto por quem é de fora. E sobram alfinetadas do ex-policial, principalmente no capítulo da Favela Boa Esperança. “Eu cheguei a um tipo de festa de rua. Esse é o tipo de realidade que americanos pagam muitos dólares para ver. As favelas se tornaram atrativos turísticos, lugares onde os yuppies podem apreciar o espírito livre dos pobres na segurança de seus ônibus blindados”, disse Max para si mesmo, quando entrou em um baile funk a céu aberto. A anunciada presença de uma trilha sonora criada pelo rapper Emicida aparece nesse mesmo capítulo dentro da favela com duas músicas, 9 círculos e Sorriso favela. Ambas tratam de assuntos como pobreza, política e injustiça social em São Paulo.
Assim como nos outros dois jogos anteriores, Max se torna inimigo de todos ao tentar resolver mistérios e expor trambiques por si mesmo. Entre o fogo cruzado de policiais violentos e corruptos do Crachá Preto com a organização criminosa Comando Sombra, o ambiente fica cada vez mais complexo e difícil de lidar. O objetivo da Rockstar de retratar um americano perdido no Brasil deu certo. Em vários momentos, Max Payne aparece sem saber o que fazer, dependendo das investigações de Wilson da Silva, policial e detetive de São Paulo, e da confiança no seu parceiro, Raul Passos, que o levou para trabalhar para Rodrigo Branco.
Porém, retratar fielmente São Paulo é uma tarefa complicada e alguns erros são inevitáveis. Primeiramente, a ambientação tropical e uma cidade que respira o funk se parecem mais com o Rio de Janeiro do que com a capital paulista, mais conhecida como um grande Centro financeiro. No entanto, a quantidade e variedade de cenários é ponto positivo, indo desde estádios de futebol até baladas caras no centro da cidade. Max ainda tem algumas lembranças e volta no tempo para um cemitério em Nova Jersey e para um bar na sua cidade natal. Outro problema para os brasileiros – que para alguns pode ser um aspecto positivo – é o excesso de palavrões. Ao passo que a falta de pudor torna os momentos de tensão mais reais, o exagero em alguns momentos é evidente. Em uma cena de corte, um traficante pede para um companheiro pegar um cigarro para ele. Até aí tudo bem, não fosse a necessidade de xingar a família inteira do rapaz para conseguir um trago. Tire as crianças da sala!
TIROTEIO Para quem gosta de desafios, Max Payne 3 é cheio deles, principalmente se você estiver desacostumado com a mecânica do bullet time – em outras palavras, câmera lenta. Até quem jogou o segundo título, lançado em 2003, tem um buraco de nove anos sem a experiência, onde vários outros shooters em terceira pessoa mudaram radicalmente o estilo. Justamente por isso, a jogabilidade e a posição da câmera atrás de Max são diferentes, mas não deixam de apresentar algumas falhas. Em certos momentos, a falta de um lugar para se esconder do fogo inimigo torna inevitável levar muitos danos. E a demora para o protagonista levantar depois do shootdodge – pulo em slow motion – se torna um momento bastante irritante.
Max Payne 3 chama a atenção mesmo pela narrativa e, principalmente, pelos efeitos visuais dentro do jogo e nas cenas de corte, com aberrações cromáticas e palavras-chaves jogadas na tela. Os diálogos entre os personagens principais e os cenários deixam qualquer blockbuster de enredo policial no chinelo. Para fazer jus à série, a narrativa é marcada pelo tempo psicológico de Max, ou seja, a história começa a ser contada pelo fim, vai ao meio, alguns flashbacks voltam mais ao passado e retornam ao fluxo cronológico. Uma pena Mark Wahlberg não ter conseguido transmitir essa magia para dentro do cinema com o filme da franquia, lançado em 2008.
Compartilhar a experiência desse jogo com outras pessoas on-line pode ser bastante divertido, e Max Payne 3 tem ideias bem legais sobre esse tipo de jogabilidade. Mas fica a curiosidade: como é que funcionaria o bullet time em um ambiente com mais de um jogador? Simples. Apenas quem está na linha de visão do gamer que usa a habilidade é afetado, causando menor dano ao usuário. Uma série de atributos e itens podem ser adquiridos a partir das partidas multiplayer, tornando o jogo mais completo. (Com Raphael Pires)
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