Em 2009 postei um texto falando da geração Reciclo Geral : http://jogosdinheirointernet.blogspot.com/2009/05/geracao-reciclo-geral.html sobre o disco gravado pela Cantora Titane com músicas de compositores que participaram desse projeto que acompanhei in loco. O Projeto completa 10 anos e saiu uma reportagem no Estado de Minas sobre ele.
Reciclo é 10
Movimento de cantores, compositores e
instrumentistas, que completa uma década, abriu novos caminhos para a
música popular feita em Minas Gerais
Era para ter sido apenas uma temporada de shows semanais, mas hoje, 10 anos depois, está claro que os três meses do projeto Reciclo Geral representam muito mais para os artistas que participaram daquelas noites de frescor criativo em Belo Horizonte. A partir de então, desenvolveu-se uma maneira de trabalho mais independente e colaborativa e veio a público uma série de discos da nova geração da época – Kristoff Silva, Érika Machado, Sérgio Pererê, Dudu Nicácio e Rafael Macedo, entre outros. E os reflexos do que fez e pensou a Geração Reciclo podem ser identificados nos jovens artistas da atualidade por aqui.
Inegavelmente, o Reciclo Geral representa o marco de fatia muito representativa de músicos, cantores e compositores que atuam em Belo Horizonte e hoje estão em torno dos 35 anos. Em 2002, vários ainda não haviam lançado disco e outros tantos nunca haviam feito um show para divulgar canções autorais – alguns confessam, ainda, que estavam à beira de desisitir da carreira artística. O projeto foi a fagulha. Uma década depois, verifica-se que boa parte das dezenas de artistas que passaram por aquele palco continua na área. Nomes foram revelados, discos vieram, novas parcerias foram realizadas e talentos se consolidaram.
“Cada um assumiu responsabilidades e nos dividimos em grupos. Foi um movimento que se desdobrou em um monte de ações”, lembra o músico e compositor Makely Ka, um dos organizadores do Reciclo Geral. “Naquele momento, ao mesmo tempo que tínhamos vontade, não havia muita perspectiva. Havia uma ressaca do Clube da Esquina, uma movimentação do pop e, por causa do Sepultura, do rock pesado. Não nos encaixávamos em nenhuma dessas cenas. Ali começou a crise da indústria. O Reciclo Geral surgiu da nossa necessidade de mostrar a cara”, completa.
A propósito, Makely aponta A outra cidade (2003), disco que gravou em parceria com os compositores Pablo Castro e Kristoff Silva (que também participaram do Reciclo Geral), como primeiro produto do projeto. Foi também seu primeiro disco, abrindo caminho para os outros quatro trabalhos que vieram, tendo Cavalo motor (2011) como o mais recente. Hoje é compositor reconhecido, tendo sido gravado por dezenas de outros artistas pelo Brasil, como Estrela Leminski, Titane, Mariana Nunes, André Mehmari e Aline Calixto.
Não é só. São vários os trabalhos que devem ao Reciclo Geral sua existência. Leopoldina e Dudu Nicácio, por exemplo, se conheceram na época e lançaram disco que marcou a estreia de ambos. Já Vitor Santana e Mariana Nunes iniciaram na época a gestação de Abra palavra, que chegou ao mercado em 2004. Outro caso é o de Fusca azul, colaboração entre Silvia Gommes e Mestre Jonas (que morreu no ano passado). Até Titane, que é de geração anterior a de todos esses artistas e participou de alguns shows do projeto, reverenciou a turma em seu último álbum, Ana (2009).
“Pessoalmente, para a minha carreira o Reciclo Geral foi definitivo. Quando me encontrei com aquele bando de músicos que queriam o mesmo que eu – fazer a música circular e chegar às pessoas – foi que me senti realmente fortalecido para encarar o rojão de ser um artista brasileiro. Ali as ferramentas para a construção de uma carreira musical independente e com dignidade já me pareceram muito claras. Escola pura. Hoje tenho dificuldade em deixar de fazer a assessoria de imprensa e a produção dos meus shows, pois me acostumei a sempre fazer isso”, diz Dudu Nicácio.
QUEM É QUEM
Alguns dos vários nomes que fizeram o Reciclo Geral
Dudu Nicácio
Cantor e compositor
Referência no samba de BH, se lançou como cantor e compositor com Leopoldina e depois formou com Rodrigo Braga o bem-sucedido Dois do Samba. Prepara o lançamento de seu terceiro disco.
Érika Machado
Cantora e compositora
A cantora se formou em artes plásticas no mesmo ano do Reciclo Geral e lançou, em 2006, o elogiado disco de estreia No cimento, com produção de John Ulhoa.
Kristoff Silva
Cantor e compositor
Estreou com Pablo Castro e Makely Ka no disco Outra cidade. Um dos expoentes da canção contemporânea mineira, compôs para a Osesp ano passado.
Leopoldina
Cantora e compositora
Revelada com Dudu no bonito disco Leopoldina e Dudu Nicácio (2005), a cantora se dedicou a carreira solo na sequência, lançando seu primeiro disco solo em 2010.
Makely Ka
Cantor e compositor
Outro nome de peso dessa geração (e também com veia poética afiada), ele está em seu quinto disco e, paralelamente, atua como agitador cultural.
Rafael Macedo
Compositor e instrumentista
Transitando entre a canção e a música instrumental, é compositor admirado. Seu disco de estreia, Quase em silêncio, foi gravado em 2009.
Sérgio Pererê
Cantor e compositor
Integrante do Tambolelê, iniciou ali a mistura de canção com elementos africanos que o levou a carreira solo como cantor e compositor. Tem quatro discos lançados.
Vitor Santanna
Cantor e compositor
Com Mariana Nunes, outra participante do Reciclo Geral, estreou com o disco Abra palavra (2004). Seu último trabalho, Beirute, mescla referências musicais de vários países.
Tudo começou na Asmare
Eduardo Tristão Girão
Publicação: 08/03/2012 04:00
A carreira de Miguel dos Anjos decolou a partir do Reciclo Geral |
No início da década de 2000, o palco da “revolução” da cena musical mineira foi o extinto Reciclo Asmare Cultural, casa de espetáculos ligada à Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável. O espaço funcionava no Bairro Barro Preto, em frente ao Rio Arrudas – ponto nada óbvio, em termos de entretenimento, na capital mineira.
“Procuramos a casa por afinidade ideológica e fomos muito bem recebidos. A gente propunha uma reciclagem musical e o espaço era novo na cidade”, lembra o cantor e compositor Makely Ka.
Os shows eram realizados sempre às quartas-feiras, com dois novos artistas de BH e um convidado mais conhecido (como Vander Lee, Marina Machado e Juarez Moreira) por noite. Em média, cerca de 250 a 300 pessoas compareciam a cada evento.
Makely relata que, na primeira noite, cerca de 80 pessoas compareceram ao espaço para ouvir o que a nova geração tinha a dizer. A casa passou a ficar lotada já na terceira edição. “No fim da temporada, 300 pessoas ficaram do lado de fora, sem conseguir entrar”, lembra.
Rede Radicado atualmente no Espírito Santo, o mineiro Miguel dos Anjos se firmou no samba a partir do projeto Reciclo Geral. A cantora Silvia Gommes, que ele conheceu lá, hoje tem pelo menos 20 músicas suas no repertório.
“Naquela época, tinha muita gente produzindo, mas todo mundo fazia isso separadamente. Lembro-me de estar na casa do Makely com umas 20, 30 pessoas para mostrar músicas numa roda. Foi quando vi que não estava sozinho. Hoje, dá para saber o que está rolando no Pará, por exemplo, mas naquela época não era assim”, relembra Miguel.
O compositor não cita o Norte do país à toa. Justamente por causa da facilidade de comunicação atual e da mentalidade independente e colaborativa que desenvolveu, Miguel dos Anjos fez um novo parceiro em Belém do Pará. Jorge Andrade viu um vídeo do mineiro com Mestre Jonas no YouTube e, por meio do Facebook, entrou em contato para lhe mandar uma letra. Uma hora depois, a música estava pronta e, em dois dias, Silvia cantava a novidade. Não tardou para a composição ficar conhecida no Pará.
DAQUI PARA O FUTURO
Portal, filme e show
A geração que fez história no Reciclo dará origem a pelo menos três “produtos”, a começar por um portal na internet com informações sobre o evento e seus participantes – o domínio já foi registrado por Miguel dos Anjos. Makely Ka, que guarda vídeos de todas as noites do evento, planeja fazer o documentário Reciclo gerou, registrando esse momento marcante da música mineira. Artistas que participaram do movimento dizem que há grande possibilidade de se programar para este ano um show comemorativo dos 10 anos do Reciclo Geral reunindo vários nomes que passaram por aquele palco.
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Reportagem de 2005 sobre Reciclo Geral do site BHmusic
A nova (e talentosa) geração
Matéria publicada no jornal O Tempo, em 18 de Julho de 2005, escrita por Daniel Barbosa.
Em sentido anti-horário, começando por Leopoldina, (de vermelho), Makely Ka, Maisa Moura, Vitor Santana, Renato Villaça, Erika e Kristoff: novos músicos, surgidos em 2002 |
A nova (e talentosa) geração
DANIEL BARBOSA
Julho de 2002: um grupo de compositores e intérpretes em busca de maior visibilidade para seus trabalhos cria o projeto Reciclo Geral, que consistia em apresentações semanais no espaço cultural Reciclo.
Julho de 2005: o que, há três anos, emergia como a promessa de uma nova e talentosa geração de músicos concretiza-se de maneira inequívoca. O que temos, atualmente, é uma ebulição criativa poucas vezes vista na história da música feita no Estado.
Parte considerável dos artistas que participaram do Reciclo Geral – e outros que, não tendo integrado o projeto, pertencem à mesma geração – está gravando ou lançou recentemente seu disco de estréia.
O primeiro a vir à luz, no início do ano passado, foi o álbum-projeto “A Outra Cidade”, que, encabeçado por Kristoff Silva, Pablo Castro e Makely Ka, reunia, como convidados, nomes como Alda Rezende, Sérgio Pererê, Titane, Marina Machado e Regina Spósito, entre outros.
Em outubro, foi a vez de Vitor Santana e Mariana Nunes apresentarem um caprichadíssimo álbum de estréia, que contou com a presença de gente como Mônica Salmaso, Sérgio Santos, Juarez Moreira, André Mehmari, Arthur Maia e Cristóvão Bastos, entre muitos outros.
Há cerca de um mês, outra dupla consolidada no Reciclo Geral – Dudu Nicácio e Leopoldina – fez seu debute fonográfico com um disco que tem gerado os mais elogiosos comentários.
O grupo Zé da Guiomar e o bandolinista Gabriel Guedes, que não fizeram parte do projeto, também lançaram discos este ano: o primeiro, mostrando algumas composições próprias e relendo bossas e sambas clássicos; o segundo, dedicando-se ao repertório de choro do avô, Godofredo Guedes, num CD que tem ninguém menos que Milton Nascimento, Beto Guedes, Wagner Tiso e Tavinho Moura, entre outros, como convidados especiais. Entre os que estão com o álbum de estréia no prelo ou em fase de preparação, constam Érika Machado – cujo disco será produzido por John, do Pato Fu –, Renato Villaça, Maria Cecília, Mestre Jonas, Sylvia Gommes (todos oriundos do Reciclo Geral) e Pedro Morais. Cada um dos três idealizadores do “A Outra Cidade” – que vai voltar ao mercado em versão remixada – também está trabalhando em seus próprios discos solo. No caso de Makely, são duas as frentes de atuação. “Estou finalizando o disco da Danaide, que é o projeto meu e da Maísa Moura, para lançar no final de agosto ou início de setembro. Ao mesmo tempo, estou fazendo o meu disco com a Contrabanda, para o próximo ano”, diz, explicando que, enquanto a Danaide apresenta uma sonoridade mais melódica e harmônica, com o uso majoritário de cordas, o trabalho com a Contrabanda resulta em algo mais pesado, com guitarras e programações eletrônicas. Para este, ele terá Renato Villaça como produtor principal, mas não exclusivo. “Convidei o pessoal do Digitaria e o Vulgue Tostoi para que cada um produza uma faixa”, diz.
CRIAÇÀO COLETIVA
Kristoff Silva, cujo disco de estréia solo ainda está em fase de pré-produção, projeta o que pode advir da proximidade – no campo profissional e pessoal – com Zé Miguel Wisnik, Ná Ozzetti e Luiz Tatit, entre outros artistas que, de uma forma ou de outra, devem participar de seu trabalho. Ele considera, a propósito, que a possibilidade da criação coletiva é um dos principais legados do Reciclo Geral. “O projeto incitou a aproximação e isso nos fez ver que a arte pode ser feita assim. Isso está muito mais em sintonia com o nosso tempo do que a expectativa de que vá surgir um novo Chico Buarque, um novo Caetano. A troca de informações e experiências tem a ver com essa pluralidade de vertentes que a música mineira já possui”, diz. Concordando com Kristoff, Vítor Santana considera que essa geração de músicos mineiros está despontando com tanta força porque trabalha de forma cooperativa. “O que a gente herdou de mais importante do Reciclo Geral é essa vocação para atuar em grupo, o que não significa um direcionamento estético determinado porque cada um tem o seu trabalho”, observa. Sobre o seu disco com Mariana Nunes, destaca que tem sido muito bem recebido, inclusive em São Paulo, onde a dupla já promoveu o show de lançamento em quatro diferentes oportunidades, no Sesc Pompéia e no Sesc Consolação.
LAÇOS ESTREITOS
Leopoldina destaca que o Reciclo Geral também serviu para que os músicos que participaram pudessem estreitar os laços com artistas de carreira consolidada. “Essa possibilidade de integração foi muito importante para nós. A Titane, por exemplo, ia ao Reciclo todas as quartas-feiras, a Patrícia Ahmaral também ia lá muito e a Alda Rezende apareceu alguma vezes. A partir daí, os compositores da nossa geração passaram a fornecer músicas para o repertório delas”, diz, lembrando que os atores dessa cena permanecem preocupados em desenvolver projetos que estimulem o encontro. Um exemplo é o Cubo de Ensaio, idealizado por Makely Ka e Érika com o propósito de promover, esporadicamente, shows dos artistas da nova geração. Ao contrário de boa parte de seus pares, Érika aposta num álbum de estréia mais personalista, apenas com músicas de sua autoria e sem participações especiais. “Nunca tive banda, nunca toquei com ninguém, então estou acostumada a fazer o esquema sozinha mesmo. Acho que o disco deve ter essa cara, mais focado na coisa da voz e violão, com bases eletrônicas e uns poucos instrumentos”, explica. Mas esse aparente isolamento não quer dizer que ela não mantenha um contato estreito com seus contemporâneos. “Considero o Reciclo Geral um marco inicial na minha carreira”. Em função das demandas como produtor, Renato Villaça só deve lançar seu disco comercialmente no próximo ano. Ele tem um álbum gravado, uma espécie de piloto, batizado “Musicaleidoscópio”, que, contudo, não chegou a prensar, mas que deverá ser a base de seu debute. “Vou investir nisso de maneira mais incisiva no próximo ano, quando espero ter mais tempo livre. Produzi, com o Rafael Martini, o disco do Dudu Nicácio e da Leopoldina, produzi o ‘Vitrola Alquimista’, da Patrícia Ahmaral, e estou trabalhando no do Makely com a Contrabanda e no da Maria Cecília. Para o final do ano ainda tem o da Titane, que também vou produzir”, diz.
MATERIAL DE SOBRA
O álbum de estréia de Mestre Jonas também deve sair apenas em 2006, apesar de ele já ter material de sobra para registrar. “Cheguei a gravar 14 faixas, mas, como componho muito, vão aparecendo outras coisas. Vou registrando aos poucos, experimentando umas coisas com o Makely, com o Pererê, com o Dudu Nicácio, com o Tom Nascimento (vocalista do Berimbrown). Enquanto isso, vou testando o repertório em shows e tentando viabilizar alguma coisa via lei de incentivo”, diz, destacando a temporada de apresentações que fez, ao lado de Sylvia Gommes, no Lapinha, entre maio e junho deste ano.
Para Dudu, o Reciclo Geral foi a representação de uma cena que estava surgindo e que se estendia para além do projeto.
“Foi muito prazeroso e fortificante para nós que estávamos participando, mas quem não fazia parte também já estava se articulando e hoje essa geração toda está cada vez mais conquistando espaços. Estamos todos com muita bala na agulha, muita vontade de fazer acontecer”, garante.
Ele adianta que já está pensando, juntamente com Leopoldina, no DVD que registra o show de lançamento de seu álbum de estréia.
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