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quinta-feira, 6 de junho de 2019

Angélica Lovatto, os Cadernos do povo brasileiro e A Revolução Brasileira.



Duplo Expresso 05/jun/2019



O editor Ênio Silveira (1925-1996) foi daquelas raras personalidades da história
brasileira que conseguiu aliar compromisso político, sensibilidade social, generosidade
pessoal, competência teórica, qualidade profissional e capacidade de renovação. O
mundo editorial em nosso país não seria o mesmo sem a passagem desta mente aguçada
e inquieta. Trabalhou intensamente pela divulgação e ampliação do livro, num país
que sempre esgrimiu com o analfabetismo. E foi como parte desse louvável esforço
que nasceram os Cadernos do povo brasileiro.
Uma inédita associação permitiu o surgimento desta coleção de 28 volumes que
consideramos um dos maiores fenômenos editoriais do século XX. Em pleno início
dos anos 1960, a união entre a editora Civilização Brasileira, o ISEB – Instituto Superior
de Estudos Brasileiros (1955-64) e o CPC – Centro Popular de Cultura da UNE –
União Nacional dos Estudantes, possibilitou a divulgação maciça destas publicações
nos movimentos sociais, através da discussão suscitada junto ao movimento sindical
do campo e da cidade, nos partidos políticos, no movimento estudantil secundarista e
universitário etc. A efervescente sociedade da época estava em plena discussão sobre as
Reformas de Base, as Ligas Camponesas atingiam seu ápice, as greves multiplicavamse.
A cultura agitava o país através da Bossa Nova, do Cinema Novo, do Teatro de
Arena. Enfim, publicações como os Cadernos tinham um fértil campo de disseminação
e eram, a um só tempo, fruto desse contexto histórico e influentes sobre ele.
Além do esforço das entidades que se responsabilizaram por sua divulgação em
âmbito nacional, os Cadernos causaram este impacto sobre a sociedade, em função de
sua numerosa tiragem. Publicados de 1962 a 64, estima-se que a tiragem total de seus
exemplares tenha ultrapassado a impressionante marca de um milhão de exemplares.
Aliada ao formato de bolso, que possibilitava a divulgação de mão-em-mão, é bem
possível que essa marca tenha sido potencialmente multiplicada. O instigante tema
do número 4, Por que os ricos não fazem greve?, escrito por Álvaro Vieira Pinto, atingiu –
sozinho – a marca de 100 mil exemplares vendidos (Cf. Silveira, 2003: 90).

Gênese e proposta dos Cadernos do povo brasileiro: 
o papel do ISEB e do CPC
Os Cadernos nasceram no contexto do governo João Goulart (1961-64). Era uma
época marcada por forte sentimento de nacionalismo, num dos momentos mais quentes
da Guerra Fria. A Revolução Cubana acabara de sair vitoriosa.
Esse período teve inflexões importantes no debate sobre o desenvolvimento
brasileiro e caracterizou-se por redefinições da ideologia nacional. No estudo
desenvolvido por Lúcio Flávio de Almeida (1995), Ideologia nacional e nacionalismo,
encontra-se uma interessante periodização do nacionalismo brasileiro do pré-1964,
e uma análise sobre as diferentes apropriações que o nacionalismo-populista sofreu:
nacionalismo militar (1930 a 45), nacionalismo trabalhista (1951-54), nacionalismo
triunfante (1955-60) e nacionalismo-reformista (1961-64).
Portanto, o nacionalismo-reformista foi o palco da coleção. Não por acaso, a
principal proposta formulada pelos autores da publicação passava pela discussão:
reforma ou revolução? A resposta dada pelos cadernistas foi preponderantemente a
defesa da necessidade de uma revolução brasileira. Essa tendência é perceptível pelos
títulos da coleção, bem como por seus autores, como por exemplo: Quem pode fazer a
revolução no Brasil?, de Bolívar Costa (1962); Que é a revolução brasileira?, de Franklin de
Oliveira (1963); Quem é o povo no Brasil?, de Nelson Werneck Sodré (1962); Como seria o Brasil socialista?, de Nestor de Holanda (1963).

É importante destacar a composição da coleção em sua totalidade. Era formada
por 28 Cadernos, assim distribuídos: 24 números consecutivos e um avulso, que
poderíamos chamar de volumes temáticos, isto é, tinham um conteúdo de caráter
histórico-político e econômico-social. Os três restantes tinham caráter cultural e foram
reunidos sob o título de Violão de rua – poemas para a liberdade. Sofreram o mesmo destino
de muitas publicações do período: seu abrupto encerramento a partir do golpe militar.
Os Cadernos eram escritos em linguagem acessível e jamais tiveram qualquer
pretensão acadêmica. Seu público-alvo era a população em geral, independentemente
do grau de escolaridade atingido. Por isso, a coleção temática – com seus títulos
diretos, explosivos e na forma de questionamento – incidiam diretamente no debate
político nacional. E a coleção cultural Violão de rua – com seus poemas engajados –
denunciava numa tonalidade literária e artística as graves questões sociais que o país
enfrentava: miséria, analfabetismo, doenças de massa. O número de lançamento da
coleção deixa isso claro: O que são as Ligas Camponesas?, escrito por uma das principais
lideranças que a luta no campo já teve no Brasil: Francisco Julião.
O papel do ISEB foi fundamental porque o instituto tinha passado por mudanças
significativas no início dos anos 1960. Depois de uma fase marcada pelo nacionaldesenvolvimentismo, o último ISEB, como ficou conhecido, passou à direção de
Álvaro Vieira Pinto, a partir de 1962. Essa fase correspondeu às lutas pelas Reformas
de Base e a conseqüente radicalização política do período. Outro nome marcante
desta fase do instituto foi Nelson Werneck Sodré. O primeiro propôs o projeto que
originou os Cadernos do povo brasileiro e o segundo propôs a coleção História Nova do
Brasil. Estes aspectos serão aprofundados adiante.
O caso dos três volumes extras, Violão de rua – poemas para a liberdade, é
particularmente interessante. Eles foram organizados pelo CPC – Centro Popular de
Cultura da UNE, na linha editorial proposta pelos diretores Ênio Silveira e Álvaro
Vieira Pinto. Mas precisavam de um outro coordenador, preferencialmente da área
literária. Foi assim que surgiu o convite ao poeta Moacyr Félix. Esse trio – Silveira,
Vieira Pinto e Félix – tornou possível planejar a coleção Cadernos do povo brasileiro em
sua totalidade.
No primeiro volume extra, o CPC anuncia claramente o objetivo da publicação,
em sua introdução:
(...) sem qualquer pretensão de realizar uma completa antologia, [a série] visa divulgar
poetas que usam seus instrumentos de trabalho para participar, de modo mais direto,
nas lutas em que ora se empenha o povo brasileiro, revolucionariamente voltado
para as exigências de um mundo melhor e mais humano. (Volume extra-1, 1962: 4)

O que havia em comum entre as duas formas da coleção era a divulgação feita
pelo CPC da UNE, que se tornou a grande mola propulsora da incrível inserção dos
Cadernos junto à sociedade brasileira, notadamente seus movimentos sociais, sindicais e
políticos. Neste sentido, os Centros Populares de Cultura, nos anos 1960, funcionaram
de fato como um departamento de agit-prop6.

Ênio Silveira e os Cadernos

Em prefácio ao livro de depoimentos de ex-integrantes do CPC, organizado por
Jalusa Barcellos, no início da década de 1990, CPC – uma história de paixão e consciência
(1994), Ênio Silveira explica o surgimento dos Cadernos do povo brasileiro e de como
sua divulgação se ligou ao CPC. O Centro Popular de Cultura “foi ganhando foro
cada vez mais amplo e autônomo, sem perder, contudo aquele caráter de ‘agit-prop’”
(Silveira, 1994: 11).
Como vimos, a Civilização Brasileira já publicava toda a coleção temática antes
do surgimento dos volumes artísticos de Violão de rua. E o CPC também já tinha
participação na divulgação dos volumes anteriores. Silveira narra sua satisfação com
o projeto:
(...) faço questão de declarar aqui, com justificado orgulho que também contribuí
com minha chegada pessoal para o progresso e o fortalecimento do CPC da UNE.
Presidente e principal acionista da Editora Civilização Brasileira (onde tinha a
valiosa cooperação de muitos intelectuais citados antes, como Moacyr Félix, Nelson
Werneck Sodré, Osny Duarte Pereira, Alex Viany, Dias Gomes) e publicando
livros que mantinham grande sintonia com os propósitos do CPC – notadamente,
a coleção de livros populares, em formato de bolso, que foi a série dos ‘Cadernos
do Povo Brasileiro’, confiei ao Centro Popular de Cultura boa parte de sua difusão
em todo o país, assegurando ao CPC a comissão de distribuidor (50 por cento do
preço de venda ao público) (Silveira, 1994: 11).
Esse tipo de acordo dava ao CPC uma participação importante na venda dos
CPBs e isso significava muito na estratégia de auto-sustentação das atividades que eram
levadas para todo o público estudantil. Ainda no sentido de esclarecer devidamente o
que significava a agitação e propaganda do CPC da UNE, Silveira não deixa por menos,
afirmando que era um “’agit-prop’ não subalterno, não partidário” e que tinha o
propósito de “despertar toda a população do marasmo cultural em que vivia”. Esse
propósito tinha como objetivo abrir os olhos e a consciência dessa população para
a necessidade de repensar o Brasil “em termos brasileiros, segundo a ótica dos
deserdados do poder, dos humildes e ofendidos que uma autonomeada elite sempre
quis manter nos patamares inferiores da pirâmide social” (Ibid.: 7).

O CPC já existia pelo esforço de criação de três jovens da época – Oduvaldo
Viana Filho, Leo Hirszman e Carlos Estevam Martins – mas passou a ser “volante”
apenas quando Aldo Arantes, estudante da PUC do Rio de Janeiro, foi eleito presidente
da UNE, em 19617
.
Arantes teve a ideia de fazer o debate da reforma universitária – assunto candente
daquele momento – indo pessoalmente a todos os diretórios estaduais da UNE. E
mais: levaria também o debate sobre as reformas de base como um todo, não apenas
a questão específica da reforma universitária. Esse plano foi denominado de “une
volante”.
Como essas discussões eram necessárias, porém áridas, Aldo Arantes planejou
levar – a cada Estado onde a discussão seria feita – o pessoal do CPC, isto é, aquele
setor da UNE que estava criando e promovendo peças teatrais, músicas, poemas,
enfim, o que ficou conhecido na época como “arte engajada”. Esses espetáculos
punham em discussão, de maneira artística, os temas políticos e sociais tratados nos
debates: “o objetivo básico do CPC era agitar a massa universitária e conscientizá-la
dos grandes desafios que tinha diante de si para acordar a nação” (Silveira, 1994: 9)
.
O resultado não poderia ter sido mais eficaz, pelo menos do ponto de vista
político, pois posteriormente, a arte produzida pelos CPCs foi bastante questionada,
inclusive por alguns de seus próprios artistas
. Mas naquele momento, a união dos
dois aspectos – político e artístico – foi uma fórmula certeira sob aquele contexto e
ficou na história por sua eficácia política na conscientização das massas estudantis.
Como observou Silveira, “mobilizando os estudantes, chegar-se-ia a platéias bem mais
amplas” (Ibid.). Essa era a força estratégica do movimento estudantil.
Silveira descreve animadamente e “com justificado orgulho” como contribuiu
pessoalmente para o fortalecimento do CPC da UNE, “publicando livros que
mantinham grande sintonia com os propósitos do CPC – notadamente, a coleção
de livros populares, em formato de bolso, que foi a série dos ‘Cadernos do Povo
Brasileiro’” (Ibid.).
Essa relação teria se dado da seguinte maneira: “confiei ao Centro Popular de
Cultura boa parte de sua difusão em todo o país, assegurando ao CPC a comissão
de distribuidor (50 por cento do preço de venda ao público)” (Silveira, 1994: 12).

Em seu característico desapego financeiro, em se tratando de acertos com entidades
políticas progressistas – já que, por outro lado, sempre foi um eficiente administrador
e modernizador do livro no Brasil – Silveira jamais deixou de dar ao CPC da UNE
apoio incondicional, que envolvia aquele importante aspecto da militância batizado
muitas vezes – na falta de melhor nome – pelo termo “fazer finanças”:
Devo acrescentar que os acertos com a UNE nem sempre se pautaram pelas mais
tradicionais normas comerciais. Assim, os ‘acertos’ eram incertos, e os resultados
financeiros foram frequentemente apropriados, com nosso caloroso consentimento, para
outras finalidades mais urgentes. Numa visão administrativamente falha, mas
politicamente correta, a editora fechava os olhos, convencida do grande trabalho
que a UNE e seu CPC vinham realizando (Silveira, 1994: 12, grifos nossos).
Neste aspecto, mais uma vez transparece a dimensão humana de Ênio Silveira,
já que tal atitude constituía-se em raro procedimento pessoal, editorial e político,
mesmo considerando os parâmetros daquela época.
Há dois momentos, nos anos 1990, em que Ênio Silveira faz um balanço
especificamente sobre o Violão de Rua. O primeiro em 1994, no já citado prefácio
(1994). O segundo em seu depoimento para a coleção Editando o editor10, gravado em
1994-5.
Na primeira publicação referida, depois de ter explicado como se relacionava
com o CPC, Silveira afirma que: “Como volumes extras da série ‘Cadernos do Povo
Brasileiro’, publicamos também – com o título geral de Violão de Rua – antologias de
poesias engajadas no processo de transformações em curso na sociedade brasileira”.
Ele explica como a coleção equilibrou o lançamento de poetas consagrados – ou já
lançados e em vias de se consagrar – com estreantes. Nos dois últimos casos a coleção
foi fundamental para sua consagração. Nas palavras do editor: “Nelas [as poesias
engajadas da coleção], ao lado de poetas, já consagrados, como Vinícius de Moraes,
Paulo Mendes Campos, Geir Campos, Moacyr Félix e Ferreira Gullar, divulgamos
pela primeira vez estreantes de talento, que mais tarde marcariam presença na poesia
brasileira, como Affonso Romano de Sant’Anna, José Carlos Capinam, Wania Filizola
e outros” (Silveira, 1994: 12-13).
No segundo texto – Editando o editor – esse balanço aparece quando destaca que
naquele momento haviam sido lançados “vários autores que hoje têm sucesso: Afonso
Romano de Sant’Ana, Capinam, Gullar também, e por aí vai”. Também explica o que
significava naquele momento fazer uma arte “engajada”:
Então, vários desses autores praticavam poesia, que se pode discutir hoje se é ou
não a melhor poesia brasileira, talvez não seja, mas era muito necessária. A coleção
tinha uma grande ligação com o CPC. Nós lançamos peças de teatro também. Foi
uma experiência de livro de bolso que, é curioso, prova que infelizmente o livro
ainda não venceu certas barreiras na consciência das pessoas (Silveira, 2003: 91).
Esse último aspecto levantado por Silveira – a barreira que o livro enfrentava –
ilustra bem a popularização da publicação, pois, como dissemos, tinha um formato
de bolso num país onde a propagação literária tinha dificuldades de se concretizar em
função da imensa massa de analfabetos e, o que é pior: mesmo na parte alfabetizada,
existia a dificuldade de consumo cultural que uma literatura mais sofisticada
apresentava.
Daí a coleção como um todo, e Violão de Rua, em especial, ter cumprido um papel
intermediário, onde qualidade do conteúdo e seriedade no tratamento das questões
estavam misturadas, elegantemente, a aspectos de agitação e propaganda e linguagem
acessível para as massas. Logo, produzir para a coleção – fossem temas históricos,
fossem temas artísticos – não significava simplesmente escrever fácil e sem nível. Pelo
menos essa parece ter sido a autêntica disposição dos autores.
Outro aspecto interessante revelado pelo editor é a maneira como caracteriza
o espírito que permeava os anos 1960, localizando o fenômeno cultural do CPC e a
propagação dos Cadernos: “É evidente que o fenômeno não surgiu por um passe de
mágica, nem foi manifestação isolada de um projeto de renovação cultural” (Silveira,
1994: ). Ele explica que esse tipo de preocupação com a tomada de consciência
dos problemas nacionais estava presente em vários outros campos simultaneamente.
Tentava-se “por em marcha esforços conseqüentes para a urgente revisão crítica de
velhos conceitos” (Ibid.). E isso se tornou um movimento multiplicador.
A principal referência apontada neste aspecto é o “importantíssimo papel” que o
ISEB desempenhou nessa fase, citando os autores com os quais planejou os Cadernos:
Com Roland Corbisier, Álvaro Vieira Pinto, Nelson Werneck Sodré e vários outros
brilhantes intelectuais a comandá-lo, ele teve uma importância seminal para dar ao
país uma visão mais objetiva e autoconfiante, para apontar vícios de estrutura que
deveriam ser eliminados para que ele pudesse encontrar o melhor caminho para a
materialização de suas mais legítimas aspirações nacionais (Ibid.).
O período isebiano ao qual Ênio Silveira está se referindo é aquele que citamos
há pouco (que acompanha a luta pelas reformas de base). Após a eleição de Roland
Corbisier para deputado, em 1962, Álvaro Vieira Pinto passa a ocupar a direção do
Instituto. Essa fase já era de plena campanha das forças de direita contra o ISEB e,
como parte desta estratégia, desde 1961 as verbas para o Instituto tinham sido cortadas,
deixando todo o projeto vulnerável.
Foi então que a generosa presença da Civilização Brasileira, através de seu editor,
possibilitou a condição de alguns projetos não serem desestimulados por completo. E,
fundamentalmente, a dedicação de Vieira Pinto e Werneck Sodré nesta fase levaram
à criatividade de propor duas coleções: os Cadernos, sob a coordenação do primeiro
e do próprio Ênio Silveira e a coleção História nova do Brasil, sob a coordenação de
Sodré13. Ambos convidariam os alunos recém-egressos da Faculdade Nacional de
Filosofia no Rio de Janeiro, para escrever textos para as duas coleções. O trabalho não
seria remunerado, mas os iniciantes teriam seus textos publicados sob a chancela do
ISEB e, no caso dos Cadernos, também sob a chancela da Civilização Brasileira. Não
era pouco. Sem o apoio de Silveira, tudo teria ficado muito mais difícil.
Este último aspecto responde a uma parte das dúvidas sobre como a coleção foi
lançada e como eram definidos os autores que ali escreviam. O próprio Ênio Silveira
já tinha um portfolio de autores que escrevia para a editora e isso, evidentemente, foi
usado. No início dos anos 1960, a editora estava em seu ápice de produção e de
vendas, e ocupava um papel decisivo na divulgação de obras de autores progressistas
e/ou de esquerda, bem como literatura da melhor qualidade, nacional e estrangeira.
Outra evidência é que, diante do clima de defesa das reformas de base – dentre
elas a importante e polêmica reforma agrária – o primeiro número da coleção foi
pensado a partir de uma figura proeminente naquele momento: Francisco Julião,
abordando a questão das Ligas Camponesas, que invadia o panorama feudal brasileiro
com muita intensidade. Esse primeiro número dava o tom da coleção.
No entanto, os números subseqüentes não deixavam por menos: os volumes 2,
3 e 4 foram escritos pelos três intelectuais mais importantes do ISEB naquela fase.
O historiador Sodré, sobre o povo no Brasil, tema presente no título da coleção; o
desembargador Osny Duarte Pereira com a explicitação de quem fazia as leis no
Brasil e o filósofo Vieira Pinto com seu famoso escrito, já referido, sobre as razões
de os ricos não fazerem greve. Os quatro primeiros números, portanto, incendiaram
a discussão sobre as reformas. A partir dos demais volumes, foram frutificando os
trabalhos dos alunos formados na FNF, revelando novos autores para as Ciências
Sociais no Brasil.
Um importante projeto de Ênio Silveira, à época, e que guarda relação com
alguns aspectos dos Cadernos, foi a criação de uma livraria ligada à editora. O lema da
“Livraria Civilização Brasileira” dizia muito de seu editor: “Quem não lê, mal fala,
mal ouve, mal vê”. O próprio Ênio Silveira – lamentando o atentado a bomba que
destruiu o prédio da livraria no pós-1964 – quando ainda funcionava na Rua Sete
de Setembro, diz que sua maior satisfação era ver de longe a projeção da inscrição
desse lema. É que o prédio tinha uma projeção em direção à rua e o lema ficava em
destaque, visível mesmo a uma grande distância (Cf. Silveira, 2003: 71).
Os Cadernos do povo brasileiro são, em nosso entendimento, uma parte muito
importante desse projeto de ler mais, para falar bem, ouvir bem e ver bem. E, ainda,
com uma característica de popularização muito forte em função dos objetivos da
coleção. E isso por vários aspectos. A divulgação massiva promovida pelo CPC da
UNE trazia também questões de ordem política. A presença do PCB na história
brasileira era muito forte naquele momento, mesmo estando na clandestinidade. A
esquerda católica também se fazia presente e estava organizada basicamente em torno
da AP – Ação Popular. A aliança entre esses dois setores na política estudantil levou
a uma grande projeção das lutas pelas reformas de base.
O próprio Ênio Silveira era filiado ao PCB. Porém, a trincheira que mantinha com
a editora e a livraria sempre foi de preservação de autonomia. Ele fazia questão de não
tornar a Civilização Brasileira uma editora do “partido”, embora o partido nem sempre
tenha aceitado isso de bom grado. Essa posição jamais fez com que ele deixasse de
ter uma posição absolutamente firme em quaisquer circunstâncias de ordem política
no seu compromisso com a esquerda, como comprova sua própria história.
Os Cadernos do povo brasileiro também foram pensados dentro desse binômio
participação/autonomia em relação aos membros do PCB. Nele escreveram autores
pecebistas de diferentes matizes, antes e depois da cisão formalizada em 196215, bem
como autores que não se ligavam ao partido. Num dado momento em que Silveira
dá depoimento sobre o surgimento da coleção, explica como conseguia manter tal
posição: “Foi uma coleção, se se quiser, engajada, mas não necessariamente. Apesar
do partido querer utilizar a coisa como instrumento de propaganda política, ainda
assim a coleção não era partidária (Silveira, 2003: 91).
Por tudo que se disse até aqui – e ainda faltaria falar muito mais – Ênio Silveira
foi uma figura de proa na história cultural e política do Brasil e merece um destaque
especial. Ele não foi um simples editor, foi um propagador da cultura brasileira. E a
Civilização Brasileira foi um marco na divulgação de obras inéditas no Brasil, nunca
antes traduzidas16 para o português, na área das Ciências Sociais e Política, bem como
da literatura e teatro, esta última sempre muito pouco valorizada pelas editoras.

Sem o apoio de Ênio Silveira é bem provável que os Cadernos do povo brasileiro
jamais tivessem logrado a projeção nacional, divulgação e tomada de consciência que
alcançaram naquele momento histórico. Ou talvez sequer tivessem existido. Como em
tantos outros momentos – notadamente após a deflagração do golpe com as profundas
dificuldades que o regime repressivo trouxe a todos aqueles autores e militantes que
passaram a ser perseguidos – a figura de Silveira foi um esteio em tempos de barbárie.
E não por qualquer comodidade que sua situação pessoal propiciasse, pois ele próprio
foi um dos principais alvos da ditadura militar, preço que pagou literalmente com
7 prisões, indiciamento em Inquéritos Policial-Militares (IPMs) e perda de todo seu
patrimônio pessoal. Aliás, houve um IPM específico sobre a Civilização Brasileira.
Além desse, Silveira teve o “privilégio” de ter sido convocado a prestar depoimento
também no IPM sobre o ISEB. Mas isso já é assunto para um outro artigo.

Coleção

1. Francisco Julião (1962). Que são as Ligas Camponesas?
2. Nelson Werneck Sodré (1962). Quem é o povo no Brasil?
3. Osny Duarte Pereira (1962). Quem faz as leis no Brasil?
4. Álvaro Vieira Pinto (1962). Por que os ricos não fazem greve?
5. Wanderley Guilherme (1962). Quem dará o golpe no Brasil?
6. Theotônio Júnior (1962). Quais são os inimigos do povo?
7. Bolívar Costa (1962). Quem pode fazer a revolução no Brasil?
8. Nestor de Holanda (1963). Como seria o Brasil socialista?
9. Franklin de Oliveira (1963). Que é a revolução brasileira?
10. Paulo R. Schilling (1963). O que é reforma agrária?
11. Maria Augusta Tibiriçá Miranda (1963). Vamos nacionalizar a indústria farmacêutica?
12. Sylvio Monteiro (1963). Como atua o imperialismo ianque?
13. Jorge Miglioli (1963). Como são feitas as greves no Brasil?
14. Helga Hoffmann (1963). Como planejar nosso desenvolvimento?
15. Padre Aloísio Guerra (1963). A Igreja está com o povo?
16. Aguinaldo Nepomuceno Marques (1963). De que morre o nosso povo?
17. Edouard Bailby (1963). Que é o imperialismo?
18. Sérgio Guerra Duarte (1963). Por que existem analfabetos no Brasil?
19. João Pinheiro (1963). Salário é causa de inflação?
20. Plínio de Abreu Ramos (1963). Como agem os grupos de pressão?
21. Vamireh Chacon (1963). Qual a política externa conveniente ao Brasil?
22. Virgínio Santa Rosa (1963) Que foi o tenentismo?
23. Osny Duarte Pereira (1964). Que é a Constituição?
24. Barbosa Lima Sobrinho (1963). Desde quando somos nacionalistas?

Títulos extras:

Franklin de Oliveira (1962). Revolução e contra-revolução no Brasil
Vários autores (1962). Violão de rua – poemas para a liberdade. Volume I
Vários autores (1962). Violão de rua – poemas para a liberdade. Volume II
Vários autores (1963). Violão de rua – poemas para a liberdade. Volume III



Aguinaldo Nepomuceno Marques (1963). De que morre o nosso povo?
https://www.plural.jor.br/documentosrevelados/wp-content/uploads/2018/09/aguinaldo-n-marques-de-que-morre-o-nosso-povo.pdf


Nelson Werneck Sodré (1962). Quem é o povo no Brasil?
https://www.plural.jor.br/documentosrevelados/wp-content/uploads/2018/09/nelson-werneck-sodre-quem-e-o-povo-no-brasil.pdf


Osny Duarte Pereira (1964). Que é a Constituição?
https://www.plural.jor.br/documentosrevelados/wp-content/uploads/2018/09/osny-duarte-pereira-que-e-a-constituicao.pdf


Por que os ricos não fazem greve?
https://www.plural.jor.br/documentosrevelados/wp-content/uploads/2018/09/alvaro-vieira-pinto-por-que-os-ricos-nao-fazem-greve.pdf


Desde quando somos nacionalistas.
https://www.plural.jor.br/documentosrevelados/wp-content/uploads/2018/09/barbosa-lima-sobrinho-desde-quando-somos-nacionalistas.pdf


Quem pode fazer a revolução no Brasil
https://www.plural.jor.br/documentosrevelados/wp-content/uploads/2018/09/bolivar-costa-quem-pode-fazer-a-revolucao-no-brasil.pdf


Edouard Bailby. Que é o imperialismo
https://www.plural.jor.br/documentosrevelados/wp-content/uploads/2018/09/edouard-bailby-que-e-o-imperialismo.pdf


Francisco Julião. Que são as Ligas Camponesas
https://www.plural.jor.br/documentosrevelados/wp-content/uploads/2018/09/francisco-juliao-que-sao-as-ligas-camponesas.pdf


Franklin de Oliveira. Que é a Revolução Brasileira.
https://www.plural.jor.br/documentosrevelados/wp-content/uploads/2018/09/franklin-de-oliveira-que-e-a-revolucao-brasileira.pdf


Franklin de Oliveira. Revolução e contra-revolução no Brasil
https://www.plural.jor.br/documentosrevelados/wp-content/uploads/2018/12/franklin-de-oliveira-revolucao-e-contra-revolucao-no-brasil.pdf


Helga Hoffmann. Como planejar nosso desenvolvimento
https://www.plural.jor.br/documentosrevelados/wp-content/uploads/2018/12/helga-hoffmann-como-planejar-nosso-desenvolvimento.pdf


Jorge Miglioli. Como são feitas as greves no Brasil
https://www.plural.jor.br/documentosrevelados/wp-content/uploads/2018/12/jorge-miglioli-como-sao-feitas-as-greves-no-brasil.pdf


Que são as Ligas Camponesas
https://www.plural.jor.br/documentosrevelados/wp-content/uploads/2018/12/que-sao-as-ligas-camponesas-1.pdf



Salário a Causa da Inflação
https://www.plural.jor.br/documentosrevelados/wp-content/uploads/2018/12/salario-a-causa-da-inflacao.pdf


Violão de Rua
https://www.plural.jor.br/documentosrevelados/wp-content/uploads/2018/12/violao-de-rua.pdf


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Educação e revolução no ISEB: a experiência dos cadernos do Povo Brasileiro
Conferência das Jornadas Bolivarianas - 13. Educação e Revolução no ISEB: a experiência dos cadernos do Povo Brasileiro. Angélica Lovatto. UNESP/Brasil - Maio. 2017


Angélica Lovatto - PALESTRA FUNDAMENTAL PARA ENTENDER O BRASIL ATUAL


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A Revolução Brasileira


A atualidade da Revolução Brasileira

A sociedade brasileira vive uma verda­deira guerra de classes. Guerra declarada pela classe dominante, que bombardeia diariamente o povo brasileiro sem encon­trar grande resistência. Refém do projeto conciliatório e desarmados ideologicamen­te, os setores populares encontram-se em completa desorientação e são incapazes de reagir e apontar qualquer saída ao povo brasileiro. O contra-ataque só se mostra possível mediante um acerto de contas com o passado.
Esta guerra de classes contra o povo come­çou entre 2014 e 2015, quando Dilma abriu a primeira fase do “ajuste fiscal” e colocou restrições de acesso ao abono salarial, se­guro-desemprego, seguro-defeso, pen­são por morte e auxílio-doença, tudo isso acompanhado do maior corte de gastos da história do país, que paralisou a economia e deu o gatilho para a escalada do desem­prego. Em 2016, a artilharia de Michel Te­mer veio ainda mais reforçada, com o con­gelamento de gastos sociais por 20 anos, o fim do regime de previdência pública e a virtual supressão das leis trabalhistas. Está em curso a operação que desvia mais ainda a riqueza nacional diretamente para o bol­so dos capitalistas, proprietários dos car­téis da corrupção que comandam o país. Combinados, o programa de Dilma/Temer dos últimos 3 anos produziu colossal massa de miseráveis no Brasil.
O pretexto para realizar estes ataques aos trabalhadores é a crise. Nela cabem os mais cândidos discursos republicanos e a preocupação com o futuro do país por par­te dos políticos profissionais. No entanto, sabemos que não há dois Congressos: os deputados e senadores que votam siste­maticamente o enforcamento da classe tra­balhadora são os que mostraram suas vís­ceras à população na fatídica votação do processo de impedimento de Dilma Rous­seff. Trata-se de um parlamento corrupto e na sua maioria absoluta identificada com os ricos (latifundiários, banqueiros, industriais e comerciantes). Enfim, um parlamento do­minado pela classe dominante. Até mesmo o sujeito mais distante da vida política sabe que o Congresso Nacional é, nas condições atuais, um verdadeiro covil de ladrões, sem a menor autoridade moral para votar qual­quer matéria de interesse público.
Michel Temer, o atual presidente, foi colo­cado na linha de frente num compromisso do PT/PMDB pela classe dominante para gerenciar a artilharia pesada dos financia­dores de campanhas, dos sonegadores de impostos, dos políticos e empresários in­vestigados pela Polícia Federal e dos ren­tistas do sistema financeiro contra o povo.
A gravação das conversas entre Sérgio Machado e Romero Jucá nos lembra que a guerra contra a classe trabalhadora não pode prescindir de um pacto com o Supre­mo Tribunal Federal. A suspeita morte de Teori Zavaski enquanto viajava num jatinho com um empresário-réu no STF e a esco­lha de Alexandre de Moraes para a mais alta corte do país não deixam dúvidas de que o poder judiciário está blindado à com a podridão da política brasileira. Muito me­nos deve-se alimentar esperanças de que um grupelho de promotores do Ministério Público Federal possa realmente ser capaz de “passar o país a limpo”.
O fato é que o sistema político brasileiro se mostrou incapaz de renovar-se e de ofere­cer respostas satisfatórias à crise atual. Es­gotou-se a capacidade de reorganizar um pacto de classes, aliado ao fato de que os três poderes estão atravessados pela cor­rupção, e pelo aprofundamento do caráter de classe do Estado. As acusações de cor­rupção estão bem documentadas na maio­ria dos casos. Trata-se de uma crise termi­nal deste sistema político. Como tal, não passa de ingenuidade pensar que um novo processo eleitoral seja capaz de recuperar automaticamente a legitimidade do siste­ma diante das massas. A natureza especi­fica da crise atual exige um contra-ataque que deve ir além dos limites praticados pe­las classes subalternas até o momento.
A gravidade do momento tampouco nos permite aceitar novas ilusões e oportunis­mos. Preocupado em garantir cargos nas Mesas Diretoras, Lula flertou com o apoio a Rodrigo Maia e Eunício de Oliveira para as presidências da Câmara e do Senado. Suge­riu que se abandonasse o discurso contra o golpe e, numa insuperável demonstração de sua vulgaridade política, deu conselhos ao corrupto Michel Temer durante as visitas da comitiva presidencial após a morte de Ma­risa Letícia. O que era “Fora Temer” foi de­sautorizado por Lula e convertido em: “Me chama, Temer”. Como parte integrante e personagem central, metido até as vísceras com um sistema político apodrecido, Lula jamais poderá representar a sua redenção.
O Brasil enfrenta uma encruzilhada em sua história. É uma batalha pela soberania na­cional: permaneceremos controlados por um pequeno grupo de interesses comple­tamente alheios aos da maioria do povo? Com a crise, abriu-se um espaço para o ra­dicalismo de esquerda como há muito não existia no Brasil: é chegada a hora de subs­tituir um sistema político falho e corrupto, por um governo de compromisso e voca­ção revolucionários.
As grandes nações do mundo nunca se furtaram a passar por processos revolucio­nários. Os países hoje avançados foram os que tiveram coragem para incluir capítu­los revolucionários em suas histórias, cujas classes subalternas disputaram o protago­nismo dos processos políticos nacionais.
O Brasil não faz parte deste clube. Por aqui, as grandes transformações sociais sempre ocorreram sob a bandeira da prudência e da conciliação. Foi assim para a Indepen­dência, mantendo a família real portugue­sa no comando da nação; foi assim para a abolição da escravatura, só libertando os negros por completo quando já se havia importado o número suficiente de euro­peus e já se havia garantido que os futuros ex-escravos não teriam acesso à proprie­dade; foi assim para sair da ditadura civil­-militar, com uma inaceitável lei de anistia que equiparou torturadores e torturados na hora do perdão. Transições levadas a cabo pelo comedimento e o bom comportamen­to para que sempre predominasse a velha máxima: mudar algo, para que tudo perma­neça como está.
A recompensa pela cautela brasileira na hora de promover grandes transforma­ções sociais nunca foi além de um misto de simpatia e compaixão mundial. Por aqui, a classe dominante sempre alimentou o mito de que nosso exemplo de conduta cordial e diplomática nos levaria, naturalmente, ao rol das grandes nações desenvolvidas do mundo. Assim aguardamos desde sempre a concretização do surrado e idealista bor­dão: “Brasil, o país do futuro”.
Aos desavisados e irritantemente pacientes com o ritmo lento do desenvolvimento do subdesenvolvimento brasileiro, um recado: não há rigorosamente nada que assemelhe o passado dos países de capitalismo avan­çado ao presente da periferia capitalista. Por consequência, não há como esperar que o presente destes países possa ser, sob estas as mesmas circunstâncias, o nosso futuro.
Nesta encruzilhada histórica, a única saída é criarmos nosso próprio caminho. É urgen­te rompermos com os modelos do passado e abrirmos nós, brasileiros, um novo capítu­lo na história mundial. Caminho que passe pelo que há de positivo na experiência uni­versal, certamente. Mas que, como expres­são de maturidade política, saiba dizer não aos velhos esquemas de desenvolvimento importados de fora, que em nome de um universalismo abstrato negam o caráter na­cional das diversas revoluções da história mundial.
Não podemos mais assumir postura me­ramente defensiva e nos tornarmos cati­vos da trincheira. É hora de sair e tomar a bandeira do inimigo. O rompimento com o marasmo coletivo e o fim do hiato que se­para o Brasil potencial do Brasil real passa, necessariamente, pela Revolução Brasileira.

Dissipando ilusões

Os últimos 13 anos representaram enorme retrocesso político e organizativo para a maioria da população brasileira. O povo, orientado por suas necessidades imediatas, embarcou na narrativa oficial de que os ganhos reais no salário mínimo, a expansão do ensino superior (predominantemente privado), as modestas taxas de crescimento do PIB e uma pretensa respeitabilidade internacional teriam caráter permanente. Subitamente o Brasil se transformara num “país de classe média”. Uma combinação ideológica que inflou a autoestima do Brasil e dos brasileiros permitindo a “paz social” que tanto encanta os capitalistas no país.
Os dados são tão impressionantes quanto ilusórios. O estudo da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República definiu como “nova classe média”, os indivíduos com renda per capita entre R$ 291,00 e R$ 1.019,00. Portanto, não é demais dizer que nem mesmo Lula, Dilma ou seus lacaios burocratas que formularam o novo conceito gostariam de pertencer à nova classe média brasileira. Além do mais, não existe a menor possibilidade de uma nação se sustentar como país de classe média com consumo de massas quando os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apontam que 80% da População Economicamente Ativa do país ganha até 3 Salários Mínimos, o que totaliza pouco mais de R$ 2.800,00, enquanto o salário mínimo necessário, calculado pelo DIEESE, deveria ser de aproximadamente R$ 4.000,00. Enfim, onde comanda a superexploração é impossível qualquer vestígio de cidadania!
Para além dos méritos de um governo com o mínimo de sensibilidade social, o efeito passageiro da elevação da renda da terra vivida até 2013 foi resultado de um momento excepcional do comércio internacional. Como é típico de países que não viveram processos revolucionários, a expansão econômica não alterou a relação entre economia, Estado e classes sociais. Na verdade, ocorreu o contrário: do ponto de vista político, os cargos estratégicos que Lula e Dilma concederam a personagens como Edison Lobão, Eunício Oliveira, Geddel Vieira Lima, Romero Jucá, Eliseu Padilha, Gilberto Kassab, Helder Barbalho, Kátia Abreu, Moreira Franco, José Sarney e Renan Calheiros só contribuíram para o reforço às velhas oligarquias regionais e ao caciquismo partidário; do ponto de vista econômico, a expansão baseada na renda da terra, comandada pela grande propriedade agroexportadora e o extrativismo mineral fez com que a área ocupada pelo latifúndio no Brasil quase dobrasse, avançando de 128 para 244 milhões de hectares durante os governos petistas; do ponto de vista social, a participação dos 5% mais ricos no total da renda nacional sob a condução do Partido dos Trabalhadores avançou de 40 para 47% , ou seja, a atenção às camadas populares só avançou na medida em que não foi preciso tocar num milímetro do prestígio social, na propriedade e no poder dos ricos do país.
Isto aconteceu porque, durante os últimos 20 anos, o liberalismo brasileiro de esquerda e de direita aceitou, sem contestações, a tese de que o sistema político é regido pelo malfadado “presidencialismo de coalizão”. Em linhas gerais, os partidos da ordem conformaram-se com a ideia de que a política brasileira é inviável sem um amplo acordo com base no congresso nacional, pois a sociedade brasileira seria por demais “complexa” e “diversa”. A “tese” possui clara função ideológica: é a melhor alternativa disponível para sabotar o presidencialismo como regime político e justificar o pacto entre as classes dominantes.
A Revolução Brasileira deve recuperar a força do presidencialismo real, sem coalizão. Não há que alimentar ilusões no parlamento e nas alianças que somente se justificam se realizadas com o povo. Um presidencialismo em que o poder da liderança convoque as massas e de fato altere a correlação de forças em favor das maiorias.

Aprofundamento da dependência

Do ponto de vista econômico, os últimos anos significaram uma brutal regressão do Brasil na divisão internacional do trabalho. O período devolveu o país ao fim da dé­cada de 70 em termos de perfil do comér­cio exterior, pois voltamos a exportar mais bens primários do que manufaturados. A participação da indústria no PIB caiu para o mesmo patamar da década de 40, perí­odo do início da industrialização brasileira, inferior a 10% . A burguesia industrial se desnacionalizou e se converteu em mera burguesia comercial parasitária: compra, monta e revende produtos importados. Por conta disso, as contas nacionais sangram, pois são drenados para o estrangeiro mais de 45 bilhões de dólares todos os anos em fretes internacionais, remessas de lucros para a sede das multinacionais, pagamen­tos de propriedade intelectual e aluguel de equipamentos não-nacionais.
Os investimentos no latifúndio foram tur­binados, enquanto se manteve estagnada a agricultura familiar. Quando a crise ca­pitalista reduziu a rentabilidade do capital agrário, em 2012, prontamente se conse­guiu a revisão do Código Florestal, fazendo com que a expansão da fronteira agrícola pudesse compensar em volume produzido a queda nos preços internacionais. Só em 2015, já com as contas estranguladas pela crise fi­nanceira do Estado, foram destinados nada menos que 43 bilhões de reais em subven­ções para o latifúndio. Não por outra razão, mesmo “contrariando seu partido”, mas em completa comunhão com sua classe de ori­gem – o latifúndio – a senadora Kátia Abreu foi tão fervorosa na defesa de Dilma duran­te o processo de impedimento. Assim, os la­tifundiários tinham o governo Lula/Dilma e contavam também, comodamente, com o fu­turo governo Temer.
O capital financeiro elevou as taxas de juros a patamares estratosféricos, fazendo a festa das altas finanças que especula com os títu­los da dívida pública. Acumulam riqueza com a permanente renegociação da dívida com remuneração excepcional e assim se deleitam com a maior fonte de acumulação de capital da burguesia doméstica. Nos últimos anos, os valores pagos à rapinagem financeira foram pelo menos dez vezes maiores do que o or­çamento da saúde no Brasil. A força do ren­tismo explica o fato de o país manter a maior taxa de juros do mundo desde 1994, início do Plano Real.

O fim do pacto e a dinâmica da crise

Em 2013, as manifestações populares escan­cararam a crise do sistema político brasileiro, com generalizado repúdio aos partidos polí­ticos de qualquer agremiação. Aquela surpre­endente manifestação de rebeldia represen­tou oportunidade para juntar o apelo popular a reformas estruturantes que destravassem o desenvolvimento econômico do país. No en­tanto, Dilma optou por lançar um pacto, jun­to a governadores e prefeitos das principais capitais do país, assentado sobre 5 pontos: a manutenção do compromisso com a política de corte de gastos, reforma política, saúde, educação e transporte. Com o primeiro – a “responsabilidade fiscal” – a presidente ratifi­cou que se manteria fiel aos pilares do projeto econômico da classe dominante, aniquilando qualquer chance de êxito dos outros quatro.
A manutenção do rentismo exige compro­misso com a austeridade fiscal que deita raí­zes sobre a Lei Complementar n. 101, chama­da de “lei de responsabilidade fiscal”. Desde 2000, a lei estrangulou as contas dos esta­dos e municípios e a população acompanhou um acelerado processo de sucateamento da prestação de serviços de saúde, educação, transporte e segurança cujo objetivo é a pri­vatização das empresas estatais do setor de serviços que ainda restaram aos estados, exemplo do Barisul no Rio Grande do Sul ou Cedae no Rio de Janeiro.
Em resumo, o PSDB criou o Plano Real e o PT assumiu o poder introduzindo na lógica de acumulação de capital na periferia o aten­dimento da questão social. Mas o respeito à austeridade fiscal permite apenas migalhas para o atendimento das demandas sociais, fato que pode ser observado quando o prin­cipal programa social do governo -o Bolsa Fa­mília - consome meros 0,47% do PIB, enquan­to o custo da dívida leva quase 9% da renda nacional anualmente para os banqueiros. Foi neste contexto que o petismo representou tão somente uma perversa modalidade de “digestão moral da pobreza” na qual os tra­balhadores permaneceram submetidos à su­perexploração da força de trabalho - garantia de super-lucros à todas as frações do capital - mas foram compensados com programas sociais, que eternizam os pobres como mera força de trabalho à inteira disposição da re­produção ampliada do capital.
No terreno da consciência ingênua, cuja me­lhor expressão é o comportamento e discurso do eleitorado petista, criou-se a esperança de que, renovada a confiança eleitoral em 2014, Dilma finalmente daria uma “virada à esquer­da” no segundo mandato. Aquela virada que a consciência ingênua esperava desde o go­verno Lula, mas que o líder do partido nunca quis fazer, pois não estava disposto a arriscar seu prestígio junto à classe dominante para cumprir uma função esperada historicamen­te pela militância. Como um portador crônico de dislexia, sempre que desejava uma guina­da à esquerda, o petismo rumava mais e mais à direita.
Como já era de se esperar, os cortes só fize­ram crescer a crise brasileira. Com a notícia de que o Produto Interno Bruto havia caído 3,8% em 2015, a burguesia brasileira aper­tou o gatilho e bradou: “vamos ao golpe”! Agravidade da crise econômica não era mais compatível com o ritmo lento do PT em fa­zer as reformas necessárias em favor da acu­mulação de capital. Dilma e o PT deixam o governo não por suas virtudes na execução das “políticas de inclusão social”, mas preci­samente pelo esgotamento de sua capacida­de de condução do projeto burguês do país, pautado na modalidade de aliança de classes com subalternização dos trabalhadores e au­sência de protagonismo popular.

A que herança renunciamos?

A Revolução Brasileira renuncia à herança que abandonou a luta contra a dependência e o subdesenvolvimento. É preciso ter cons­ciência de que a busca pela efetiva soberania nacional jamais poderá ocorrer sob a ordem burguesa, a despeito das virtudes de um e outro governo. Os dois mandatos de Lula e, depois, a eleição de Dilma nos deixam a lição de que governos de composição de classe orientados pela governabilidade e sem pers­pectiva de ruptura com a ordem burguesa servem exclusivamente para acomodar os in­teresses das classes dominantes com renova­da e finita legitimidade. É preciso recuperar, portanto, a perspectiva da longa duração e das lutas nacionalistas e revolucionárias.
O pacto de classes promovido pelos gover­nos do PT teve largo efeito sobre as direções do movimento sindical e social. Abandonou­-se o horizonte transformador radical, a luta pelo socialismo que embalou a origem da CUT e do MST. Adotou-se a regressão políti­ca dos diálogos sociais, as mesas tripartites, as negociações coletivas sem conflito, enfim, a restrição da luta política da classe traba­lhadora aos ditames restritos dos gabinetes, promovendo uma ruptura sem preceden­tes entre a classe e as burocracias sindicais. Aqueles sindicatos que surgiram combativos, frutos da classe trabalhadora em luta, foram pouco a pouco cedendo a radicalidade para a política de “defesa da governabilidade”. Abandonaram a formação política e bloque­aram internamente o marxismo, por determi­nação das cúpulas dirigentes, muito antes da eleição de Lula em 2002. Abraçaram a forma­ção tecnicista dos seus quadros, rebaixando a vanguarda dirigente da classe trabalhadora a mera burocracia da estrutura sindical. Era uma clara estratégia de desarmar a classe trabalhadora para poder conduzir com maes­tria o pacto de classes a favor da burguesia.
Após a eleição de Lula, rebaixaram sistemati­camente o horizonte da política sindical. A ati­vidade política dos sindicatos e movimentos sociais, que precisa ter um caráter eminente­mente emancipatório, rompendo com a alie­nação do cotidiano capitalista, foi silenciosa­mente transformada em defesa das políticas públicas do governo. Ou seja, a tão almejada autonomia sindical, um dos fundamentos da origem da CUT, foi substituída pelo sindicalis­mo de Estado, pelo sindicalismo de resulta­dos e por algo extremamente deletério para a classe: o sindicalismo empresarial atrelado ao rentismo, onde dirigentes sindicais passa­ram a ser gestores de poderosos fundos de pensão, trazendo uma nova razão de funcio­namento para os sindicatos, totalmente con­traditória às lutas dos trabalhadores.
Os sindicatos ficaram cativos de suas pró­prias ilusões. A Revolução Brasileira faz um chamado aos dirigentes sindicais e sociais ainda combativos, para que possamos jun­tos restituir o papel do militante combativo e transformador, liderança perante as bases, refundando um movimento sindical e social poderoso, que possa ser um alicerce do avan­ço e resistência na atual guerra de classes.
Renunciamos à herança dos que não fizeram a real batalha da comunicação. Os governos petistas não só não encamparam a luta contra os monopólios midiáticos como endossaram a cobertura da imprensa dominante. Quando se viram desassistidos e na iminência da per­da do poder, “descobriram” que os grandes grupos de comunicação tinham descartado a alternativa petista. Temos profunda clare­za de que a cobertura midiática dominante não guarda qualquer relação com as deman­das populares, senão com a representação de seus próprios interesses. Possui uma agenda política definida e, como classe dominan­te que é, apresenta soluções profundamen­te anti-povo. Cientes de que a corrupção é a regra do sistema político, mídia e sistema financeiro fabricam uma opinião pública dócil e compreensiva. No entanto, a narrativa fan­tasiosa já não produz o mesmo efeito.
Também julgamos fundamental renunciar à herança que reduz o pensamento de esquer­da à busca pela justiça social. Governos as­sentados sobre as políticas públicas como forma de correção das injustiças e desigual­
dades produzidas pelo capitalismo cometem o erro histórico de considerar a população como objeto, e não como sujeito da políti­ca. Sem o devido caráter emancipatório que deve acompanhá-la, a busca pela justiça so­cial, como tal, só alcançou horizontes limita­dos nos países avançados e bastou a crise capitalista de 2008 para varrer as garantias e acentuar a luta também no centro do sistema. Na periferia capitalista, é preciso mais do que nunca perceber que tais elementos de justiça social são absolutamente impraticáveis. Não há conciliação possível entre os detentores dos meios de produção e os trabalhadores. O governo atuou, por algum tempo, conce­dendo benefícios às elites no atacado e con­cessões ao povo no varejo. Logo veio a crise capitalista e deixou cristalina a natureza do sistema: os interesses de patrões e empre­gados são divergentes e inconciliáveis. Atue­mos, portanto, em consequência: é chegada a hora da Revolução Brasileira.

Os desafios da esquerda e nossa opção pelo PSOL

A natureza da crise atual impõe exigências que há muitas décadas não se apresentavam para os trabalhadores e a esquerda brasilei­ra. Não sofremos a maior crise da história do país como indica a direita; a Revolução de 30 e a deposição do governo nacional reformis­ta de João Goulart com a ditadura de 1964 foram resultados de crises muito mais pro­fundas e amplas. A primeira abriu as portas para o desenvolvimento do capitalismo e as instituições decisivas para o país. A segunda, interrompeu a mais profunda experiência re­formista de nossa história e exibiu os limites do reformismo político. No entanto, a dife­rença especifica da crise atual reside no fato de que se trata de uma crise financeira do estado e não mero resultado da crise fiscal como pretendem ideologicamente os liberais (de direita e esquerda). Em resumo, afirma­mos que entrou em crise o sistema político que sustentou a dominação burguesa até o momento, ou seja, o sistema petucano. É uma crise em que os pactos e a política de aliança possuem espaço reduzido para ga­nhar milhões de trabalhadores e as classes médias empobrecidas. A desnacionalização e redução da indústria, o caráter rentista do desenvolvimento capitalista, a ampliação da renda da terra, o assalto ao estado com mão cheia por meio da dívida pública e do endivi­damento externo implicou na declaração de guerra contra os trabalhadores por parte da classe dominante. Toda e qualquer tentativa de “mediação” somente favorecerá a classe dominante e implicará necessariamente em perdas materiais e do grau de consciência para a classe trabalhadora. Neste contexto, a esquerda brasileira está chamada à renovação radical da práxis política e de seu programa.
Neste contexto, o PSOL tem méritos indiscu­tíveis, pois é partido que permite e, no limite, exige o exercício da crítica, além de espaço de experimentação de uma nova práxis que necessitamos produzir. No entanto, não se trata apenas de reconhecer o PSOL como uma frente política, mas de lutar no seu in­terior para a afirmação plena do socialismo como horizonte de nossas lutas e compro­misso permanente da militância. Assim, ob­servamos que o PSOL poderá ser valioso ins­trumento para a consolidação do Programa da Revolução Brasileira e somaremos esfor­ços com milhares de outros militantes que já trabalham arduamente nesta direção e com este propósito.
O PSOL está convocado pela situação históri­ca a enfrentar este enorme desafio. Também participam deste horizonte o PCB, o PSTU, o PCO e o PPL. A esquerda é chamada a unificar a luta de massas em função da ofensiva bur­guesa, mas sobretudo atualizar o programa da Revolução Brasileira sem o qual se tornará inútil o “espirito crítico” de “organizações de esquer­da” que na prática reforçam a razão de esta­do e limitam o avanço da consciência crítica e socialista do trabalhadores. O horizonte da es­querda não pode ser o de limitado espirito crí­tico do liberalismo ou ainda sua “ala esquerda”.
Nos países centrais esta linha representou a incorporação dos partidos socialistas à ló­gica da social-democracia europeia e, nos países periféricos, sob condições de depen­dência e subdesenvolvimento, não passa de farsa cínica. Um auxiliar da dominação bur­guesa cujas consequências observamos ago­ra sob os escombros do fracasso histórico da política petista. É preciso entender que não devemos aceitar a correlação de for­ças supostamente adversa como justifica­tiva para perpetuar formas de organização superadas historicamente.
É tempo da Revolução Brasileira. É tempo de novo radicalismo político, que já se manifesta de maneira plena na greve dos garis do Rio de Janeiro, nos metroviários em São Paulo, nos municipários de Florianópolis, nas ocupa­ções das escolas em vários estados do país. É tempo de nova práxis marcada pela discipli­na e exemplo dos militantes nos sindicatos, nas organizações estudantis, nas ocupações, nas associações de bairros, etc. O Programa da Revolução Brasileira exige um novo perfil de militância e renovado respeito pelo caráter de massas de entidades dos trabalhadores. A partidarização de sindicatos deve ceder es­paço para a consciência crítica para além dos partidos atuais, inclusive do próprio PSOL.
Decidimos assumir o PSOL para implementar um debate necessário entre a tradição nacio­nalista tão vilipendiada pela direita em nosso país e o marxismo, tão diminuído nas filas da esquerda e no seio das classes subalternas. Decidimos assumir o PSOL para não permitir a morte da cultura nacional diante da ofen­siva da indústria cultural metropolitana, es­pecialmente estadunidense. Reivindicamos o caráter revolucionário que o nacionalismo pode assumir na periferia capitalista como parte indissolúvel da luta socialista, tal como demonstram as revoluções vitoriosas na his­tória mundial.
Os sindicatos ficaram cativos de suas pró­prias ilusões. A Revolução Brasileira faz um chamado aos dirigentes sindicais e sociais ainda combativos, para que possamos jun­tos restituir o papel do militante combativo e transformador, liderança perante as bases, refundando um movimento sindical e social poderoso, que possa ser um alicerce do avan­ço e resistência na atual guerra de classes.
Renunciamos à herança dos que não fizeram a real batalha da comunicação. Os governos petistas não só não encamparam a luta contra os monopólios midiáticos como endossaram a cobertura da imprensa dominante. Quando se viram desassistidos e na iminência da per­da do poder, “descobriram” que os grandes grupos de comunicação tinham descartado a alternativa petista. Temos profunda clare­za de que a cobertura midiática dominante não guarda qualquer relação com as deman­das populares, senão com a representação de seus próprios interesses. Possui uma agenda política definida e, como classe dominan­te que é, apresenta soluções profundamen­te anti-povo. Cientes de que a corrupção é a regra do sistema político, mídia e sistema financeiro fabricam uma opinião pública dócil e compreensiva. No entanto, a narrativa fan­tasiosa já não produz o mesmo efeito.
Também julgamos fundamental renunciar à herança que reduz o pensamento de esquer­da à busca pela justiça social. Governos as­sentados sobre as políticas públicas como forma de correção das injustiças e desigual­
dades produzidas pelo capitalismo cometem o erro histórico de considerar a população como objeto, e não como sujeito da políti­ca. Sem o devido caráter emancipatório que deve acompanhá-la, a busca pela justiça so­cial, como tal, só alcançou horizontes limita­dos nos países avançados e bastou a crise capitalista de 2008 para varrer as garantias e acentuar a luta também no centro do sistema. Na periferia capitalista, é preciso mais do que nunca perceber que tais elementos de justiça social são absolutamente impraticáveis. Não há conciliação possível entre os detentores dos meios de produção e os trabalhadores. O governo atuou, por algum tempo, conce­dendo benefícios às elites no atacado e con­cessões ao povo no varejo. Logo veio a crise capitalista e deixou cristalina a natureza do sistema: os interesses de patrões e empre­gados são divergentes e inconciliáveis. Atue­mos, portanto, em consequência: é chegada a hora da Revolução Brasileira.

Convocamos a todos para se somarem às fileiras de combate da Revolução Brasileira.

Golpe de 64 e Revolução Brasileira

Nutrimos sincero e profundo respeito pela dor daqueles que perderam amigos e entes queridos durante os anos de terror da ditadura militar no Brasil. Mais respeito ainda temos pela figura daqueles que deram a própria vida na luta heroica contra esta chaga que se abateu sobre nosso país durante 21 anos.
Porém, a situação atual exige que a crítica seja nossa companheira inseparável.
De fato, “ditadura nunca mais” é um bordão que nega sem afirmar. É o bordão de alguém que, impotente, teme e vocifera contra um monstro pois é incapaz de conhecê-lo e enfrentá-lo.
A ditadura militar no Brasil nasceu do fracasso e derrota do nacional-reformismo encabeçado por João Goulart, aquele nacional-reformismo o qual Lula, Dilma e todo o liberalismo de esquerda atual não chega nem mesmo aos pés.
A democracia refundada em 1985 e instituída em 1988 vive hoje sua fase terminal, pois, incapaz de suster suas poucas virtudes, é tomada e corroída por seus próprios e inúmeros vícios.
Na realidade, o bordão “ditadura nunca mais” contém outro bordão, oculto e subsequente, que é “democracia para sempre”. Ora, mas não é sob a democracia, e não sob a ausência dela, que nosso povo perece, hoje, à miséria, ao abandono e à violência sistematizada??
A Teoria Marxista da Dependência ensina que na periferia capitalista reformas só são possíveis em contexto revolucionário, assim como uma revolução necessariamente compreende um conjunto de reformas. Ou seja, a grande lição do 1° de abril de 1964 para a esquerda não é sobre ditadura ou democracia, mas sim sobre a necessidade do horizonte socialista!

A Revolução Brasileira está em curso, adiante!


Álvaro Carriello

Reproduzimos abaixo a carta assinada por Nildo Ouriques, Serge Goulart e Gesa Linhares Correa enviada hoje à Executiva Nacional do PSOL.

*Carta à Executiva Nacional do PSOL*


A crise do sistema político aprofunda-se e as classes dominantes não vacilam em aprofundar as características reais nocivas do seu funcionamento: corrupção, manipulação da opinião pública, destruição de direitos e conquistas etc. Em consequência, a conjuntura e, sobretudo, o processo eleitoral em curso exige do PSOL clareza de objetivos e vontade protagônica.

Neste contexto manifestamos nossa preocupação com a atuação do candidato do nosso partido Guilherme Boulos que, em recente entrevista à BBC Brasil declarou que “seria um desrespeito da minha parte num momento como esse querer me colocar como alternativa eleitoral ao Lula, que é candidato. O PT manteve a candidatura de Lula, que está sofrendo uma injustiça brutal, em relação à qual eu sou solidário. Eu não vou cometer esse equívoco porque eu acho que, mais que um erro político, seria um desrespeito em relação a todo sofrimento e injustiça que ele está recebendo neste momento” (BBC Brasil – 26/4/2018) e em todo momento tem agido nesse sentido.

A conjuntura exige clareza de propósito e nitidez programática e, sobretudo, respeito às decisões do congresso e conferência eleitoral do partido que decidiu por candidatura própria. Guilherme necessita assumir na plenitude e de fato a candidatura para a qual foi escolhido indicando a responsabilidade de tucanos e petistas na origem da crise que joga milhões de brasileiros na miséria e no desespero do sistema que agoniza.

Boulos tem a obrigação de publicamente colocar-se imediatamente como pré-candidato contra a podridão destas instituições, partidos e ordem social, candidato alternativo a Lula, candidato da luta pela liberdade e pelo socialismo.

A continuidade da atual situação e a ação declarada do candidato do PSOL põe em risco nosso resultado eleitoral e todo o partido.

Esperamos uma ação imediata da direção do partido em sua defesa.

4 de maio de 2018.

Nildo Ouriques
Serge Goulart
Gesa Linhares Correa
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Mais sobre Nildo Ouriques:

E aqui:

Curso de Capacitação Política

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Tese da Juventude pela Revolução Brasileira para 57º Congresso da União Nacional dos Estudantes

A classe trabalhadora brasileira anseia por um processo revolucionário. A política de conciliação de classes, gerenciada por petistas e tucanos, resultou no completo desamparo dos trabalhadores frente os ataques cada vez mais severos da classe dominante. A necessidade de acumular capital num país dependente, que constantemente tem que remeter parte de seus rendimentos para os países centrais, faz com que a burguesia brasileira, necessariamente, atue pelo aprofundamento da superexploração da força de trabalho e pelo contínuo processo de pauperização das condições de vida da classe trabalhadora.

A eleição de Jair Bolsonaro representou a falência do consórcio firmado entre petistas e tucanos. A classe trabalhadora brasileira, imersa na crise econômica e desarmada ideologicamente, aderiu massivamente ao discurso anti-sistêmico de Bolsonaro, vendo nele a única alternativa de ruptura radical com o sistema estabelecido e com a velha política, contra "tudo o que está aí". A ruptura proposta por Bolsonaro, porém, nunca passou de um simulacro: uma ruptura apenas aparente cujo objetivo foi, desde sempre, a manutenção da ordem dominante e a intensificação da guerra de classes.

O governo Bolsonaro é de natureza ultraliberal. Sua função na guerra de classes brasileira é aprofundar e acelerar a aprovação das medidas exigidas pela classe dominante. Reforma da Previdência, Supressão das leis trabalhistas, Desvinculação das Receitas da União e cortes constantes nos gastos públicos são projetos presentes em todos os governos desde a redemocratização e que no governo Bolsonaro voltam com força total. Bolsonaro é a última cartada da sedenta burguesia brasileira em sua constante busca por lucros extraordinários às custas da classe trabalhadora.

No jogo do poder internacional, o governo Bolsonaro se apresenta como um completo submisso do poderio imperialista dos Estados Unidos. O discurso nacionalista, que tantos votos angariou nas eleições, não passa de fachada. O “nacionalismo” de Bolsonaro pede permissão para Donald Trump e faz reverência à bandeira norte americana. Essa completa falta de soberania nacional serve apenas à idiotizada burguesia brasileira, que espera ter parte no poderio da potência imperialista ao se mostrar amigável e solícita à quaisquer pautas propugnadas pelo poder dominante. O resultado concreto, porém, é o livre assalto aos nossos recursos naturais e bens estratégicos e a consolidação de uma posição inferior na divisão internacional do trabalho, nos relegando à função de meros provedores de recursos para as burguesias dos países centrais.

O resultado desse ultraliberalismo escrachado e dessa subserviência no âmbito do poder global é a pauperização completa de nossa classe trabalhadora.

A universidade não está alheia a esse cenário de guerra de classes. Nossas tradicionais instituições de ensino superior sempre desempenharam um papel ativo na reprodução do poderio da classe dominante. Os currículos, a estrutura, as decisões sobre financiamentos, a contratação de professores e as eleições internas são, desde sempre, moldadas com o objetivo de impedir o ingresso das amplas camadas populares, enquanto criam as condições para manutenção da estrutura vigente de poder, eliminando qualquer possibilidade de questionamento radical em favor da classe trabalhadora. A função essencial da universidade é formar mão-de-obra para o mercado de trabalho enquanto produz ideologia para legitimar as relações de exploração entre capital e trabalho.

Em um país como o Brasil, subdesenvolvido e dependente, esse caráter conservador da universidade é ainda mais potente. Nossas instituições são, majoritariamente, colonizadas e alheias à realidade nacional. Importa-se acriticamente, sob a ideologia de estar sempre em consonância com as tendências internacionais da produção de conhecimento, estudos e teorias que, por terem sido produzidas em países com realidades completamente distintas das nossas, muito pouco se aplicam à resolução de nossos problemas mais relevantes. Enquanto isso, os grandes autores nacionais, que se debruçaram sobre os problemas patentes da realidade nacional, são marginalizados do debate acadêmico e estigmatizados como ultrapassados por não se aterem ao método do último pensador europeu ou por não concordarem com os resultados das teorias defendidas pelo último cientista norte americano.

Um projeto de universidade que fracassou

O projeto de universidade gestado nos governos do sistema petucano não se preocupou em resolver nenhuma destas questões estruturais da universidade brasileira. Pelo contrário, atuou no aprofundamento desenfreado de um modelo educacional alienante e não debruçado sobre os problemas prementes da sociedade brasileira. Sob o discurso da “democratização”, assistimos a explosão das vagas em instituições privadas de ensino superior. Em 1996 o ensino superior público tinha por volta de 740 mil matriculados, enquanto o ensino superior privado possuía 1,1 milhões de estudantes. Ao final de 2016, as matrículas nas instituições públicas somavam 1,9 milhões de estudantes, enquanto as instituições privadas já superavam a marca de 6 milhões de estudantes regularmente matriculados. Em consonância com esse processo de privatização, verificou-se uma enorme ampliação das vagas nos cursos de Educação à Distância. Na educação pública, entre 2003 e 2017, registrou-se um aumento de 130 mil novos matriculados na
modalidade de EaD (aumento de 347%), enquanto na educação privada, no mesmo período, verificou-se o descomunal aumento de 1,6 milhões de matriculados (aumento de 9120%).

Em paralelo a esse processo de concentração da educação superior no âmbito privado, consolidou-se a centralização do capital nos grandes monopólios educacionais. Sob a lógica da empresa privada, que constantemente busca novos mercados para acumulação de capital, e impulsionados por programas do governo federal como o PROUNI e o FIES, esses grandes trustes da educação realizaram enorme expansão para as regiões interioranas do país, propagando um modelo educacional de baixa qualidade e ainda mais alienante. Em 2016, o alcance desses monopólios era tão vasto que apenas a soma de seus cinco maiores componentes (Kroton, Estácio de Sá, UNIP, Laureate e Ser Educacional) já superava o número de todas as matrículas no ensino superior público brasileiro.

Para legitimar essa tendência à privatização do ensino superior público, os governos da conciliação de classes venderam a ideologia da ascensão individual. Cursar o ensino superior seria requisito necessário para alcançar uma vida digna nos marcos do capitalismo dependente brasileiro. A narrativa da “nova classe média” era, então, o carro chefe na tentativa de fazer a sociedade brasileira acreditar numa permanente elevação das condições de vida, sem que fosse necessário questionar a ordem dominante. Na mesma toada, surge a ideologia do “empreendedorismo”, buscando justificar a exploração crescente da juventude e a falta de perspectivas no mercado de trabalho.

Ao final de todo esse processo fica evidente a completa falência do projeto de universidade gestado por petistas e tucanos. A expansão desenfreada do ensino privado resultou na queda vertiginosa da qualidade da educação no ensino superior brasileiro. As salas de aula completamente lotadas, as estruturas defasadas, os professores mal-preparados e mal-pagos são, então, a norma na maioria das instituições de ensino superior do país. O Ensino à Distância atua no mesmo sentido, prescindindo do necessário ambiente da sala de aula e do professor presencial, e servindo, na maioria das vezes, como uma simples alternativa facilitadora para a aquisição do diploma universitário e elevação dos lucros dos monopólios privados da educação. Dessa forma, a universidade nos últimos vinte anos adotou como fim único a produção desenfreada de mão de obra para o mercado de trabalho, consolidando sua função como instituição alienante e alienada ao povo brasileiro.

Além disso, a consequência prática desse modelo privatista-expansionista foi uma juventude completamente endividada, refém dos grandes monopólios educacionais e sem perspectiva de futuro frente a um mercado de trabalho saturado de mão de obra qualificada e não qualificada. Ao sair da universidade, na maioria das vezes com uma formação extremamente superficial, a juventude se deparou com a realidade do mercado de trabalho do país da periferia do capitalismo. A massa dos recém-formados nas universidades acabou por atuar exercendo pressão no mercado de trabalho, possibilitando o rebaixamento de salários e incentivando uma maior rotatividade de mão de obra. O cenário atual é completamente aterrorizante: a juventude não tem emprego, nem condições de sustentar-se por si só. Jogada à própria sorte, tem que se submeter à superexploração elevadíssima do subemprego, adentrando no mercado de trabalho informal através de eventuais “bicos” ou então pelos modernos aplicativos que vendem uma ilusão de emprego empoderado, como o Uber, por exemplo.

Assim, o saldo deste projeto de Universidade não é apenas insuficiente, mas absolutamente catastrófico. Não apenas manteve e reproduziu a dependência e o subdesenvolvimento, como deixou de legado para a juventude a ausência da perspectiva de emprego, salários e uma vida digna, ou seja, a absoluta ausência de futuro.

Qual o papel dos estudantes nesse cenário?

Aos estudantes fica reservada a função essencial de contestar esse atual estado de coisas, colocando-se como sujeitos ativos no processo de transformação da universidade e da sociedade na qual ela está inserida. Apenas nós, como futuros trabalhadores, podemos atuar na construção de uma nova universidade. Participar deste processo é lutar por uma universidade que comporte a totalidade dos jovens brasileiros que desejem adentrar no ensino superior. É preciso ter clareza sobre a função de classe que cumpre o processo de vestibular para poder questionar sua existência e atuar na elaboração de um modelo de acesso universal ao ensino superior. Precisamos, também, atuar ativamente na defesa do ensino superior 100% público, posicionando-se duramente contra a lógica privatista dos grandes monopólios de ensino superior e seus governos liberais.

Da mesma forma, cabe a nós, tecer uma crítica radical à atual estrutura alienante do ensino superior universitário. É nossa tarefa principal lutar diariamente por um ensino associado à resolução das questões prementes da classe trabalhadora brasileira, pautando radicalmente a necessidade de reformulação dos currículos e dos processos organizacionais que alienam a universidade à realidade do povo brasileiro. Somente com essa reformulação, que resulta na inversão da atual estrutura de poder da universidade, convertendo-a de órgão alienador à órgão aliado ao desenvolvimento nacional e à nossa classe trabalhadora, poderemos ter uma universidade de fato comprometida com seus objetivos de educação, cultura e elevação da consciência popular, tornando-a, assim, um agente ativo na transformação radical da ordem social na qual estamos inseridos.

Para além dessas medidas imediatas, é necessário ter consciência das limitações da luta restrita ao âmbito interno da universidade. A universidade, no modo de produção capitalista, assume uma função específica e historicamente constituída. A mudança radical na estrutura da universidade passa necessariamente por uma mudança radical na estrutura da sociedade. Por isso, os estudantes devem enfileirar-se lado a lado à classe trabalhadora brasileira, atuando em conjunto contra todas as investidas do capital e colocando em perspectiva a necessária superação da ordem capitalista dominante, e tendo consciência de que apenas uma mudança sistêmica radical pode emancipar a classe trabalhadora e, consequentemente, os estudantes de hoje e de amanhã. É preciso ter clareza de que apenas o avanço na direção da constituição dessa nova sociedade pode acabar com a atual estrutura de exploração das grandes massas e recolocar o Brasil como um país soberano e independente, que rompa definitivamente com as amarras históricas que travam seu desenvolvimento. Aos estudantes, portanto, não há outra escolha: A luta pela educação emancipadora é ao mesmo tempo a luta pela Revolução Brasileira.

Qual o papel da União Nacional dos Estudantes?

A classe trabalhadora, em sua luta constante com o capital, consolida instrumentos políticos para produzir teoria e direcionar suas necessidades políticas. Esses instrumentos, contudo, não são criados sem um solo histórico determinado. O conteúdo estrutural da luta de classes se expressa de formas específicas em cada nação do mundo capitalista, colocando a necessidade, sempre presente, de apego à realidade nacional como condicionante necessário de uma prática que vise transformar a condição de exploração que assola grande parte da população.
Os estudantes não estão deslocados da classe trabalhadora. Compartilhando a posição de não-proprietários, numa sociedade em que a propriedade determina a posição como explorador ou explorado, estudantes e trabalhadores são colocados, necessariamente, do mesmo lado da trincheira. Da mesma forma, como futuros trabalhadores, a realidade do mercado de trabalho brasileiro, com seus 13 milhões de desempregados e sua característica imanente de superexploração da força de trabalho, não nos deixa outra escolha senão nos apropriarmos das pautas da classe. A nossa condição, portanto, não pode ser discutida fora da condição nacional da classe trabalhadora brasileira, e a condição da classe não pode ser discutida fora do próprio modelo de acumulação do capitalismo brasileiro. A totalidade se põe como necessidade.
Sendo assim, os instrumentos forjados pela luta dos estudantes não podem ser descolados daqueles forjados pelos trabalhadores, pois tratam, em última instância, das mesmas questões. A UNE se originou num cenário de larga modernização capitalista, urbanização crescente, e proletarização massiva da população. Imbuída das contradições próprias do nosso país, foi vanguarda nos anos 60 na discussão e na luta política para recolocar os termos da disputa política em um patamar revolucionário, seja teorizando sobre a função da universidade em um país subdesenvolvido, seja lutando pela entrada do povo na universidade - se colocando contra os vestibulares – seja educando as massas através da cultura com os CPC’s, ou, ainda, estando na luta pelas amplas reformas da sociedade brasileira, dentre elas, a reforma universitária.
Esse passado, no entanto, não mais representa o atual direcionamento da entidade. Nos marcos dos governos petistas a UNE foi transformada em mero braço estatal, delineando suas políticas aos limites dos programas governamentais, rebaixando suas reivindicações históricas à razão de estado petista, e, assim, abandonando completamente qualquer perspectiva de ruptura radical. A discussão sobre o fim do vestibular se transformou em ações afirmativas, a discussão sobre os problemas estruturais da realidade brasileira se transformou em políticas públicas, a discussão de classe na individualização identitária. A atual direção majoritária da UNE é hoje expressão máxima desse movimento burocrático e despolitizante. A UNE de hoje é uma entidade descolada da massa dos estudantes, apresentando-se como mera porta-voz das políticas petistas e como cabide de cargos para organizações políticas com fins puramente eleitoreiros.

O atual estado da UNE, portanto, diverge profundamente do horizonte necessariamente revolucionário da luta estudantil e da necessidade histórica de um instrumento que direcione suas lutas teórica e politicamente, numa conjuntura de guerra de classes que não nos deixa outra escolha senão o caminho da ruptura com a ordem vigente.

Assim, à UNE caberia a desvinculação às presentes formas de aparelhamento, ser ponta de lança nas reivindicações pelo fim do vestibular, pela estatização dos monopólios de educação gestados nos governos petistas, pelo retorno de uma política cultural para a classe trabalhadora e por uma educação 100% pública. Além disso, é urgente a luta por uma reforma universitária que direcione o conhecimento da realidade nacional e a produção de ciência e tecnologia a fim de buscar a soberania nacional e o desenvolvimento humano em todos os níveis, tendo como horizonte a construção de um novo modelo universitário e a transformação radical da sociedade.

Somente uma UNE que colocasse essas questões na ordem do dia, que tivesse esse sentido histórico e se estruturasse a partir dele poderia realmente representar os estudantes no nosso atual momento de ruptura com o passado. É neste sentido que viemos conclamar os estudantes a construírem, da maneira que for necessária, uma entidade que possa realmente dar sentido histórico às necessidades estudantis: Uma entidade revolucionária. Uma entidade pela Revolução Brasileira!
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http://www.revistaideias.com.br/2018/09/24/cade-o-intelectual-brasileiro/

Cadê o intelectual brasileiro?

É um dilema pensar sobre a importância do intelectual numa sociedade. Ele pode ser aquele que orienta, mostra caminhos e elenca discussões socialmente relevantes. Ou pode ser aquele que, no gozo do seu status, se considera como o capacitado para fazer tudo do enunciado anterior – e aí há um caráter um tanto elitizado do seu saber.
De uma maneira ou de outra, o intelectual é uma elite, uma das elites. Nesse caso, a elite pensante, os que são mais preparados a dar diagnósticos sociais.
Em 1965, na Revista da Civilização Brasileira, Leandro Konder afirmou que “Na consideração da evolução social e dos problemas humanos em geral, como também dos fatos culturais, isto é, na consideração das questões históricas sob a forma teórica mais elaborada, os intelectuais têm uma função social que, nas condições da vida moderna, é em princípio tão necessária quanto o trabalho do proletariado industrial”.
Onde estão os intelectuais brasileiros? Com quem eles estão dialogando? Qual a função social deles? Para responder a essas perguntas, é preciso compreender o momento pré-1964, os caminhos da ditadura e o ocorrido com a redemocratização.

Divisor de águas
Até o final da década de 1960, era comum um tipo de intelectual chamado público. Ele circulava e colocava suas ideias publicamente para um amplo grupo de pessoas. Muitos deles trabalhavam em jornais e lá expressavam suas ideias.
O contexto vivido favorecia a exigência de tomadas de posição. O mundo pós-guerra deu duas opções: ou você estava lá ou cá. E grande parcela da intelectualidade escolheu estar cá, isto é, alinhada à esquerda. Quem questionava ou discordava corria o risco de cair num ostracismo, o que aconteceu com as ideias filosóficas de Albert Camus que, em O homem revoltado, pôs em xeque a violência stalinista e foi acusado de favorecer a direita, culminando em seu racha com Sartre, cuja perspectiva se fundava no engajamento, na causa, contra o imperialismo. Ele dizia que “o intelectual é alguém que se intromete no que não lhe diz respeito”.
A ideia de engajamento ganhou força no Brasil. No final da década de 1950, era lugar-comum a adesão dos intelectuais às causas populares, o que soou um bocado falso, já que historicamente a causa que movera o intelectual brasileiro não era diretamente o “popular”, ele estava preocupado com a “questão nacional”: O que é o Brasil?, Quem são os brasileiros? Levando Daniel Pécaut, estudioso francês sobre Brasil e América Latina, a afirmar que “A ideologia lhes permite, além disso, ser elite quando necessário, ou povo quando conveniente”.
Os espaços ocupados pelos intelectuais eram os mais variados. Música, teatro, cinema, revistas, sem contar, e principalmente, o próprio Estado. Entre 1962 e 1964 (antes do golpe), circulou o Caderno do Povo Brasileiro, livro de bolso popular – de fato popular – onde se abordavam questões, muito didaticamente, sobre o Brasil. Temas como “Por que os ricos não fazem greve?”, “Vamos nacionalizar a indústria farmacêutica?” e o profético “Quem dará o golpe no Brasil?” (lançado em 1962) foram discutidos, além de outros. No texto de apresentação, a coleção traz o seu objetivo: “Os grandes problemas de nosso país são estudados nessa série com clareza e sem qualquer sectarismo: seu objetivo principal é o de informar. Somente quando bem informado é que o povo consegue emancipar-se.” A coleção pode ter chegado a uma tiragem total de 1 milhão de exemplares. Ou seja, havia uma grande aproximação entre os intelectuais e a população.
O Caderno do Povo Brasileiro tinha um complemento literário, também muito difundido e com caráter popular, chamado Violão de Rua, que trazia poesias de Ferreira Gullar, Moacyr Félix, Vinicius de Moraes e outros que denunciavam determinadas condições de vida nas favelas, no campo e convocavam a união do povo brasileiro. Violão de Rua é um dos expoentes da arte engajada.
Com a tomada do poder por parte dos militares em 1964, muitos são expulsos do aparato estatal e tomam a frente da sociedade civil para discutir problemas agora vinculados à ditadura, pois até então o que vinha na esteira era o nacional-desenvolvimentismo e um projeto de nação. Os militares interrompem e enterram isso.intelectual_2b(enio)
Nos quatro primeiros anos de ditadura, porém, a liberdade para se discutir determinadas questões e realizar certas críticas era relativamente frouxa. Nesse cenário, surge a Revista da Civilização Brasileira (RCB), da editora homônima, que circulou entre 1965 e 1968, de propriedade de Ênio Silveira, filiado ao Partido Comunista (PC). A publicação trazia muitos textos com orientação marxista, embora o próprio Ênio tenha afirmado que ninguém orientava as edições, ou seja, o PC não metia o bedelho.
(O referido PC não é o PCdoB, partido da Manuela D’Ávila; é o partido criado em 1922. O PCdoB surgiu em 1962 a partir de uma dissidência do PCB.)
Foram três anos de amplo debate na RCB, trazendo inclusive traduções inéditas no Brasil. O AI-5 põe fim a isso tudo. A censura pesa a mão, os Inquéritos da Polícia Militar (IPMs) tornam-se frequentes e as represálias, mais severas. Muitos intelectuais são exilados. O próprio Ênio é preso e chamado a depor diversas vezes. A vida cultural é posta em risco. Apesar disso tudo, é importante ter em mente que a censura não censurou a música, o teatro, o cinema e/ou a produção intelectual de forma genérica. Músicas, peças, filmes, livros foram censurados. Os militares tinham interesse na produção intelectual, não naquela considerada subversiva, mas fazia parte do projeto de poder deles o avanço do país, com isso incentivaram produções científicas nos moldes tecnocratas. O ensino universitário recebeu considerável investimento, mas a estratégia do governo militar era dar um espaço à elite pensante, e que não saísse daquele espaço. Dessa forma, a universidade torna-se um QG que ficou sufocado nele mesmo.
O intelectual público, que circulava e fazia circular suas ideias, principalmente no Rio de Janeiro, entre os anos de 1968 e 1974, confinou-se num lugar quase privado. A USP foi a impulsionadora desse movimento de trazer o intelectual para dentro da academia, pois foi considerado ideologia o que era feito até então, ou seja, o que o Rio de Janeiro produzia com suas ideias marxistas e nacionalistas advindas da década de 1950 não era ciência. Para se produzir ciência havia um lugar: a universidade. E essa ideia de cientificidade e de produção intelectual se disseminou para o país e lugares de debate público, como a própria RCB, foram sendo estrangulados. À época a revista era um sucesso, como afirmou Moacyr Félix, diretor junto com Ênio Silveira: “A revista da Civilização foi o maior sucesso possível. O Ênio tirava 20 mil exemplares, vendia todos. Tanto que Sartre, conversando com Ênio, estranhou muitíssimo, porque ele tirava 3 mil exemplares de sua Les Temps Modernes. Ele disse: ‘Meu Deus, uma revista de intelectuais, de ensaios!’”.
Com a indicação de redemocratização de Geisel, outros espaços foram sendo criados e os intelectuais voltaram a ocupar o debate público. Mas agora com outros objetivos. Acadêmicos voltaram-se à política, caso de Fernando Henrique Cardoso, por exemplo. Sobre esse cenário Pécaut afirmou que “os intelectuais brasileiros se entregam à ação política sem nenhuma hesitação e como se tivessem qualificação especial para fazê-lo. Em muitas ocasiões, eles se tornam protagonistas políticos centrais”, chegando até à presidência.
Os que não se vincularam aos partidos continuaram na universidade. Ao ponto que hoje o intelectual brasileiro é aquele que está num prédio e vai a congressos apresentar artigos de 20 páginas para uma plateia de 15 pessoas. Essa é a elite pensante do país.
Há um outro tipo: aquele intelectual que não toma partido frente às causas e discursa como se fosse um livro do Augusto Cury, como Leandro Karnal, Clóvis de Barros Filho e Mario Sérgio Cortella. Aprenderam a dizer o que se quer ouvir citando Kant ou Nietzsche ou qualquer outro filósofo que não dialoga com a realidade brasileira. (Uma voz que se destaca nesse cenário, quer discutir os problemas do Brasil e se propõe a fazer isso publicamente é Jessé Souza, que ocupa um dos únicos – talvez últimos – redutos do intelectual para dialogar com o público: o mercado editorial.)
Os intelectuais brasileiros deram as costas ao Brasil e agora gritam, se mobilizam, se engajam em lutas quando a bolsa está para ser cortada. É preciso que os intelectuais voltem a ocupar e debater com a sociedade civil projetos de nação.
O lugar do intelectual até a década de 1970 foi ocupado pela indústria cultural, pelos partidos políticos e, em partes, pelos movimentos sociais. Gostemos ou não, uma nação precisa de uma elite pensante que não está fechada em si própria e nem preocupada em fazer conchavos dentro de partidos. É urgente para a vida social e política do Brasil a presença do intelectual.
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http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142014000100009



Livros, editoras e oposição à ditadura


Flamarion Maués
Universidade de São Paulo. São Paulo/SP, Brasil



RESUMO
O período da abertura política no Brasil (1974-1985) foi marcado, no campo da edição de livros, pelo surgimento ou revitalização de "editoras de oposição", ou seja, editoras com perfil nitidamente político e ideológico de oposição ao governo ditatorial. Compunham um universo que englobava desde editoras já estabelecidas, como Civilização Brasileira, Brasiliense, Vozes e Paz e Terra, até as surgidas naquele período, como Alfa-Ômega, Global, Codecri, Brasil Debates, Ciências Humanas, Kairós, Livramento, Vega, entre outras. Algumas dessas editoras mantinham vínculos estreitos com partidos ou grupos políticos oposicionistas, caracterizando-se como editoras de oposiçãoengajadas; outras não estabeleciam vinculações políticas orgânicas ou explícitas mas, por seu perfil e linha editorial, representaram iniciativas políticas de oposição. Minha hipótese é de que o surgimento ou a revitalização das editoras de oposição no período em foco, em particular as que classifico como engajadas, teve como motor principal os objetivos políticos a que elas visavam.
Palavras-chave: Editoras de oposição, Edição e política, Oposição à ditadura.

ABSTRACT
The period of political opening in Brazil (1974-1985) was highlighted, in the field of books publishing, by the founding or revitalization of "oppositional publishers" – publishers with a unmistakable political and ideological profile in opposition to the dictatorial government. They comprised an universe that ranged from well-established publishers – as Civilização Brasileira, Brasiliense, Vozes and Paz e Terra – to others born in that same moment - Alfa-Ômega, Global, Codecri, Brasil Debates, Ciências Humanas, Kairós, Livramento, Vega, among others. Some of those publishers had very strict links with oppositional parties and groups, and could be well defined as activist / oppositional publishers; others didn't set up organic or explicit political links but, because of their profile and editorial policy, epitomized oppositional political initiatives. My hypothesis is that the founding or revitalization of "oppositional publishers" in the period on focus, particularly the ones I classify as "activists", had as its main engine the political aims that they looked for.
Keywords: Oppositional publishers, Publishing and politics, Opposition to the dictatorship.



O golpe de 1964 atingiu já em seus primeiros dias o setor da edição de livros, ainda que de modo pontual. No dia 3 de abril daquele ano – ou seja, apenas dois dias após o golpe que derrubou João Goulart –, a Editorial Vitória, editora vinculada ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), teve sua sede invadida e foi posta na ilegalidade. Nesse mesmo dia o escritório da Editorial Vitória em São Paulo também foi invadido pela polícia e os livros que lá estavam estocados foram apreendidos (Maués, 2013b, p.129-30).
Assim, desde seus primeiros dias, o governo militar já deixava clara a sua disposição de cercear a liberdade de expressão, não só por meio da censura à imprensa, mas também pelo controle dos mais variados meios de comunicação. E os livros – e as editoras que os editavam – não escaparam a esse cerco.
Com o AI-5, no final de 1968, as limitações à edição de livros que pudessem representar alguma forma de questionamento da ditadura tornaram-se bem mais fortes, ou seja, a censura passou a ser uma presença constante no meio cultural. Em relação aos livros, esse processo teve seu ápice com a edição do Decreto n.1.077, de janeiro de 1970, que estabeleceu a censura prévia a livros e periódicos.2
Com esse quadro, até meados da década de 1970 houve forte limitação à edição de obras políticas que questionassem, ainda que moderadamente, as ideias e as práticas dos ditadores. Da mesma forma, havia enormes constrangimentos para a edição de autores como Marx, Engels, Lenin, Mao Tsé-tung, Stalin e outros que representassem o pensamento marxista ou socialista.
É a partir de meados dos anos 1970 que ganha corpo um movimento editorial que terá características de oposição ao governo ditatorial, e que tem início juntamente com o processo de distensão política que a cúpula militar no poder se viu na contingência de implementar. Tal movimento relaciona-se também com o grande incremento da indústria editorial brasileira (produção de livros). Um dos segmentos que se destacam nesse crescimento é justamente o dos livros de oposição ao regime civil-militar, que se enquadram no que se pode chamar de literatura3 política: obras de parlamentares de oposição, depoimentos de exilados e ex-presos políticos, livros-reportagem, memórias, romances políticos, romances-reportagem, livros de denúncias contra o governo, clássicos do pensamento socialista. Esse segmento ganha impulso significativo a partir de 1977-1978, com o retorno à cena pública do movimento estudantil e do movimento sindical, em particular com as greves no ABC paulista, e o avanço da campanha da anistia.
Ocorreu, então, a partir de meados da década de 1970, um movimento editorial e cultural marcado pela revitalização de editoras com perfil marcadamente político e de oposição ao governo civil-militar iniciado em 1964. Editoras já estabelecidas, como a Civilização Brasileira, a Brasiliense, a Vozes e a Paz e Terra, retomaram uma atuação política mais acentuada, editando livros que tratavam de temas que colocavam em questão a ideologia, os objetivos e os procedimentos do regime de 1964, ou, ainda, cujos autores faziam oposição ao governo. Ao mesmo tempo, novas editoras surgiram com o projeto de publicar livros com claro caráter político. Alguns exemplos são as editoras Alfa-Ômega, Global, Edições Populares, Brasil Debates, Ciências Humanas, Kairós, Hucitec, L&PM, Graal, Codecri, Vega e Livramento, entre outras.
O que caracterizava o conjunto das editoras de oposição era seu perfil e sua linha editorial claramente oposicionistas, sem que isso implicasse que essas empresas tivessem necessariamente vinculações políticas explícitas. O fundamental é que elas deram expressão a iniciativas de oposição. Algumas dessas editoras mantinham vínculos estreitos com organizações políticas. E houve casos, inclusive, de editoras de oposição surgidas nos anos 1970 e 1980 que foram criadas por partidos ou grupos políticos, alguns deles na clandestinidade ou na semiclandestinidade. Dessa forma, as editoras que tinham vinculações com organizações políticas se caracterizavam como editoras de oposição engajadas, formando um subgrupo dentro do conjunto mais amplo das editoras de oposição.
Ao mesmo tempo, esse florescimento editorial político também mostra que crescia o mercado para o produto produzido por essas editoras: os livros de oposição. Assim, "As preocupações com o [aspecto] empresarial, com a profissionalização e com a veiculação de conteúdos políticos vão estar um tanto imbricadas nesses anos 70", e o mercado editorial vê "a oportunidade de abrir campo para as 'obras de esquerda'", percebendo que a "literatura 'política' passa a ser um excelente negócio no raiar da 'abertura'" (Holanda; Gonçalves, 1980, p.39, 53).
Em síntese, verifica-se que "Florescia um mercado de oposição à ditadura nas classes médias, que a indústria cultural soube aproveitar a partir do fim dos anos 70, com a abertura do regime civil-militar" (Ridenti, 2000, p.350).

Edição política
Se é certo que muitos livros "transmitiam uma mensagem política e uma visão geral da política" (Darnton, 1998, p.14), seria possível pensar, como Robert Darnton pensou em relação a outro contexto, que eles de certa forma "moldaram a própria realidade e ajudaram a determinar o curso dos acontecimentos"? (ibidem, p.15).
As editoras de oposição – e os livros que publicaram – conformaram o que podemos chamar de edição políticano país. Ao realizar um trabalho editorial que vinculava de modo direto engajamento político e ação editorial, essas editoras – e seus editores – atuaram com clara intenção política de intervenção social, tornando-se sujeitos ativos no processo político brasileiro no período final da ditadura.4
A existência e o crescimento dessas edições nos permitem pensar na hipótese de que, diante do fechamento dos canais institucionais de participação política e social, como partidos, sindicatos, movimentos políticos, sociais e culturais etc., a atividade editorial, mediante a edição de livros cujo conteúdo se caracterizava pela oposição ao governo da época, passou a ser uma alternativa para aqueles grupos e pessoas que tentavam atuar e influir politicamente de forma pública, mesmo sob um regime ditatorial.5
Era uma forma de manter uma atuação política visível, que possibilitasse a aglutinação de pessoas e a divulgação de obras de denúncia e de propostas de transformação da situação existente. Assim, parece que nenhum livro de oposição era apenas um produto editorial e comercial. Ele era uma manifestação política pública, que se dirigia aos formadores de opinião, ou ao menos tinha essa pretensão. É claro que tal projeto, que estava como que impresso em cada página dos livros de oposição, trazia em si as limitações inerentes ao veículo livro, limitações essas relacionadas ao público leitor, à distribuição e ao alcance efetivo dessas obras, a seu impacto real na conjuntura política do país etc.

Livros de oposição
Alguns livros de oposição tiveram ótimos resultados comerciais, ou seja, tornaram-se, em alguns casos, verdadeiros best-sellers, em outros, alcançaram bom nível de vendas no quadro do mercado brasileiro, o que pode ser um bom parâmetro para atestar a repercussão do trabalho das editoras que os publicaram. Constatamos que muitos deles apareceram nas listas de livros mais vendidos, principalmente entre os anos 1978 e 1980. A simples menção de alguns desses títulos, extraídos das listas de livros mais vendidos do jornalLeia Livros e da revista Veja no período,6 e de seus autores, não deixa dúvida sobre o seu caráter oposicionista.
Assim, por exemplo, livros de memórias de ex-presos políticos ou ex-exilados tiveram a partir de 1979 grande êxito, sendo o de maior destaque O que é isso, companheiro?, de Fernando Gabeira (Codecri, 1979), que esteve entre os mais vendidos por três anos, de 1979 a 1981. Destacaram-se também O crepúsculo do macho, do mesmo Gabeira (Codecri, 1980); Memórias, 1a. parte, de Gregório Bezerra (Civilização Brasileira, 1979);Querida família, de Flávia Schilling (Coojornal, 1979); Os carbonários: memórias da guerrilha perdida, de Alfredo Sirkis (Global, 1980); e Batismo de sangue: os dominicanos e a morte de Carlos Marighella, de Frei Betto (Civilização Brasileira, 1982).
Também livros de denúncia sobre a ditadura e seus desmandos e violências estiveram entre os mais vendidos desde 1978: A ditadura dos cartéis, de Kurt Mirow (Civilização Brasileira, 1978), A sangue-quente: a morte do jornalista Vladimir Herzog, de Hamilton Almeida Filho (Alfa-Ômega, 1978); Opinião x censura: momentos da luta de um jornal pela liberdade, de J. A. Pinheiro Machado (1978); Dossiê Herzog: prisão, tortura e morte no Brasil, de Fernando Pacheco Jordão (Global, 1979); Tortura: a história da repressão política no Brasil, de Antonio Carlos Fon (Global, 1979); Guerra de guerrilhas no Brasil, Fernando Portela (Global, 1979); Projeto Jari: a invasão americana, de Jaime Sautchuk (Brasil Debates, 1980); e O massacre dos posseiros, Ricardo Kotscho (Brasiliense, 1982).


Destacaram-se ainda obras sobre militantes importantes da oposição – como Lamarca, o capitão da guerrilha, de Emiliano José e Oldack Miranda (Global, 1980); e Prestes: lutas e autocríticas, de D. Moraes e F. Viana (Vozes, 1982) – ou sobre temas que a ditadura considerava tabus, como a Revolução Cubana. Esse tema, aliás, foi um dos que tiveram mais títulos de sucesso, desde o pioneiro A Ilha: um repórter brasileiro no país de Fidel Castro, de Fernando Morais (Alfa-Ômega, 1976), que esteve até 1978 nas listas dos mais vendidos. Outros títulos de sucesso nessa linha foram: Cuba de Fidel, de Ignácio de Loyola Brandão (Cultura, 1978); Cuba hoje: 20 anos de revolução, de Jorge Escosteguy (Alfa-Ômega, 1979); A história me absolverá, de Fidel Castro (Alfa-Ômega, 1979); Da guerrilha ao socialismo: a revolução cubana, de Florestan Fernandes (T. A. Queiroz, 1980);Revolução cubana, de Che Guevara (Edições Populares, 1980); e Diário, de Che Guevara (Centro Editorial Latino-Americano, 1980).

Editoras de oposição
As editoras que tinham perfil nitidamente político e ideológico de oposição ao governo civil-militar, com reflexos diretos em sua linha editorial e nos títulos publicados – ou seja, uniam ação editorial e engajamento político –, são as que chamo de editoras de oposição, cuja definição se dá, de um lado, por razões de fundo político-ideológico, e, de outro, por sua atuação editorial efetiva de oposição no período estudado.
Cabe lembrar que assim como a oposição ao regime civil-militar agregou diversos setores políticos e ideológicos, como liberais, nacionalistas, dissidentes do governo, comunistas, socialistas etc., também as editoras de oposição tiveram perfil eclético. Assim, editora de oposição não é necessariamente sinônimo de editora de esquerda, embora aquelas vinculadas às diversas tendências da esquerda formassem a maior parte desse universo.7
As editoras de oposição eram de vários tipos e tamanhos, e tinham histórias bem distintas. De acordo com o levantamento que realizei sobre as editoras de oposição em atuação no país a partir do início dos anos 1970 e até meados dos anos 1980, existiram pelo menos 40 editoras com esse perfil. A maior parte delas foi criada nos anos 1970.8
Apresento a seguir um pequeno histórico da trajetória de algumas editoras de oposição de destaque, de modo a fornecer um breve panorama da atuação dessas editoras e da sua diversidade.
Alfa-Ômega – Criada por Fernando Mangarielo, em sociedade com sua esposa, Claudete Mangarielo, em janeiro de 1973, em São Paulo. Foi uma das mais atuantes nos anos 1970 e 1980. Tinha certa afinidade política com o PCB, mas não era uma editora partidária. Tinha entre seus colaboradores alguns professores da USP, como Reynaldo Xavier Carneiro Pessoa e José Sebastião Witter.9 Seu catálogo de obras de oposição é muito grande. Publicou um dos maiores best-sellers entre os livros de oposição, A ilha (um repórter brasileiro no país de Fidel Castro), de Fernando Morais, lançado em 1976, que foi o primeiro livro de oposição a alcançar grande sucesso de vendas. Lançou também, em 1977, um dos primeiros romances a falar da guerrilha urbana no Brasil, Em câmara lenta, de Renato Tapajós, que causou a prisão do autor. Inicialmente caracterizava-se por editar obras acadêmicas de ciências humanas de autores renomados, como Sérgio Buarque de Holanda, Barbosa Lima Sobrinho, Florestan Fernandes, Afonso Arinos e Sedi Hirano, entre outros. Depois passou também a editar literatura nacional, livros-reportagem e clássicos do socialismo, como as obras escolhidas de Marx e Engels, Lenin e Mao Tsé-tung.
Brasiliense – Fundada em 1943, em São Paulo, por Caio Prado Jr., Monteiro Lobato e Artur Neves "como desdobramento do projeto de publicar livros do Partido Comunista do Brasil (PCB)" (Galúcio, 2009, p.173). Desde o início de suas atividades publicou obras e revistas com clara conotação de esquerda. Foi talvez a mais destacada editora brasileira do final dos anos 1970 e início dos 1980, sob a direção de Caio Graco Prado (filho de Caio Prado Jr.). Teve forte atuação política, seja por meio de seus títulos, seja por iniciativas envolvendo seus autores, como lançamentos de livros em praça pública. Nos anos 1980, a coleção Primeiros Passos foi um marco no mercado editorial brasileiro ao publicar textos acessíveis, de qualidade e a preços baixos sobre uma infinidade de temas (Hallewell, 2012, p.411-12). Após a morte de Caio Graco, em 1992, entrou em crise financeira, editorial e administrativa por vários anos. Continua em atividade.
Civilização Brasileira – Segundo Hallewell (2012, p.398), Octalles Marcondes Ferreira adquiriu a Civilização Brasileira em 1932 de Getúlio M. Costa, que a fundara em 1929.10 Todavia, somente a partir da década de 1950 a editora começou a conformar "um centro de intelectuais progressistas" (Galúcio, 2009, p.118). Foi das mais conceituadas e representativas editoras brasileiras, principalmente enquanto esteve sob a direção de Ênio Silveira, militante do PCB e um dos mais importantes editores do país em todos os tempos. Publicou grandes nomes da literatura internacional – muitas vezes em sua primeira edição no país – e uma ampla gama de livros de ciências humanas e de intervenção política, em geral alinhados com o pensamento progressista. Sofreu perseguições por parte do governo civil-militar nos anos 1960 e 1970, que levaram à quebra da editora e à sua venda. Publicou no início dos anos 1960 os lendários Cadernos do Povo Brasileiro e, após o golpe de 1964, aRevista da Civilização Brasileira, retomada no final dos anos 1970 como Encontros com a Civilização Brasileira. Atualmente pertence ao grupo editorial Record.
Codecri – Empresa criada em 1972, no Rio de Janeiro, pelos proprietários do jornal O Pasquim, um dos mais destacados da imprensa alternativa brasileira. Passou também a editar livros – no começo utilizando material publicado no próprio jornal – e acabou por se tornar uma das mais atuantes editoras do país no final dos anos 1970 (Braga, 1991, p.50-1). Era inicialmente dirigida por Alfredo Gonçalves Manso e tinha Jeferson de Andrade como editor de livros (Hallewell, 2012, p.660). Foi marcada por grandes sucessos de venda, como o livro O que é isso, companheiro?, de Fernando Gabeira, e também por má gestão administrativa, que levou à sua venda em 1984 (Ibidem). Editou literatura brasileira e obras de cunho político, particularmente memórias e denúncias sobre o período da ditadura militar.
Duas Cidades – Livraria e editora fundada em São Paulo, em 1954, por frei Benevenuto de Santa Cruz (José Petronilo de Santa Cruz), da Ordem dos Dominicanos. "Foi ele quem, com a devida licença de seus então superiores, fez o plano, escolheu o nome, deu a orientação, arranjou dinheiro, constituiu a firma, encontrou o local" (Candido, 1987). Inicialmente, a editora visava divulgar publicações católicas, inspiradas pelo Movimento Economia e Humanismo, fundado pelo padre francês Louis J. Lebret (Cypriano, 2000). No final dos anos 1960 um grupo de frades dominicanos aproximou-se da Ação Libertadora Nacional (ALN), grupo comunista que buscava derrubar a ditadura por meio de ações armadas e cujo líder era Carlos Marighella, considerado o principal líder da subversão pelos militares no poder. O seu assassinato, em novembro de 1969, ocorreu após a repressão identificar e prender alguns dos frades que apoiavam a ALN e mantinham contatos com Marighella, um dos quais era funcionário da Duas Cidades. A livraria caracterizou-se pela importação de obras e tornou-se um ponto de encontro de intelectuais. De acordo com a filósofa Marilena Chauí, "além de possuir livros de qualidade, a livraria tornou-se um dos raros espaços de liberdade para discussão no tempo da ditadura" (ibidem). A Duas Cidades publicou obras de Antonio Candido, Roberto Schwarz, Roland Corbisier, Luiz Pereira, Rogério César de Cerqueira Leite e Severo Gomes, entre outros. A livraria fechou as portas em 2006 e a editora continua em atividade.
Global – Editora paulista fundada em outubro de 1973 por Luiz Alves, foi uma das mais atuantes no final dos anos 1970, tendo publicado numerosos títulos de cunho político, em particular clássicos do pensamento socialista. Criada por Luiz Alves, a editora surgiu como decorrência do trabalho da distribuidora de livros Farmalivros, da qual Alves era o responsável pela área de marketing. A partir de 1976, com a concordata da Farmalivros e a admissão do livreiro, editor e militante socialista moçambicano José Carlos Venâncio na área editorial, a Global passa a ter uma linha marcadamente política e de esquerda. "Ele foi o introdutor dessa nova gestão de edições da Global, foi o ideólogo disso tudo", afirma Alves.11 Venâncio tornou-se sócio da editora. Na época ele tinha 30 anos, trabalhara na editora D. Quixote, em Portugal, e fora livreiro em Moçambique, além de membro da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo). De acordo com Venâncio, a nova linha da Global se ligava a um projeto político para o Brasil. "Eu tinha uma militância terceiro-mundista e sentia que aquele era o momento não só para testar a anunciada abertura política, mas principalmente para franquear aos leitores a história verdadeira que lhes era até então sonegada", lembra Venâncio.12 A Global vinculava-se, ainda que de modo discreto, ao trabalhismo brizolista. A editora continua em plena atividade, e ainda sob a batuta de Luiz Alves. Mas sua linha editorial mudou. Hoje edita principalmente literatura, livros infanto-juvenis e obras destinadas às escolas públicas. Venâncio, depois de passagens pela política, continua também na área editorial, como proprietário das editoras Ground e Aquariana.13
L&PM – Fundada em 1974, em Porto Alegre, por Ivan Pinheiro Machado e Paulo Lima, teve inicialmente o nome Lima & Pinheiro Machado Editores, passando pouco depois a ser denominada de L&PM. Começou editando as tiras em quadrinho do personagem Rango, de Edgar Vasquez (Machado; Salaini, 2010). Editou livros de parlamentares de oposição, como Paulo Brossard e Pedro Simon, e outros de crítica à ditadura militar, além de autores como Millôr Fernandes, Mario Quintana, Eduardo Galeano, Moacyr Scliar, Josué Guimarães e Luis Fernando Verissimo. A editora permanece em atuação e expandiu-se desde o começo dos anos 2000, quando se especializou em livros de bolso, com a coleção L&PM Pocket, que somente entre 2002 e 2010 editou mais de mil títulos e teria vendido mais de 30 milhões de exemplares (ibidem).
Marco Zero – Fundada em São Paulo, em 1980, pela escritora Maria José da Silveira e por Felipe Lindoso. Poucos meses depois, o escritor Márcio Souza se associou à editora. Os três haviam sido militantes da Ala Vermelha, organização de esquerda que defendeu a luta armada no final dos anos 1960. "Mas a organização não teve nada a ver com a fundação da editora. Era um projeto pessoal, construído inclusive com o apoio de familiares da Maria José", esclarece Felipe Lindoso.14 "Queríamos editar bons livros, tanto de ficção quanto de não ficção", diz ele. A editora tinha propósitos políticos quando surgiu: "Logo de início publicamos o livro As lutas camponesas no Brasil: 1980, organizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag). Publicamos uma extensa lista de ensaios a partir da posição de esquerda, sobre luta armada, sindicatos, depoimento de militantes políticos, a crise do socialismo na Europa. Romances de autores cubanos e de várias vanguardas. Isso tudo fazia parte de uma vontade de intervenção política, sim", conta Lindoso. "O que nos movia, nessa área política, era a discussão dos impasses e alternativas da esquerda naquele período do final da ditadura." Até 1997 a editora se manteve com os sócios originais. Foi quando dificuldades de capital de giro levaram a uma associação com a Editora Nobel, e ao fim do projeto original da Marco Zero. A editora continua em atividade como um selo do grupo Nobel.
Paz e Terra – Fundada em 1966 por Ênio Silveira, proprietário da Civilização Brasileira, e Moacyr Félix. Seu objetivo era "divulgar ideias ecumênicas progressistas" (Paixão, 1996, p.166). Colaborou para divulgar a Teologia da Libertação no Brasil. Principalmente a partir do momento em que foi comprada, em 1975, pelo empresário Fernando Gasparian (proprietário do jornal alternativo Opinião), a Paz e Terra passou a ser uma das mais importantes editoras de livros políticos de oposição do país. Era ligada a setores da oposição nacionalista e liberal ao regime civil-militar atuantes no MDB. Posteriormente, nos anos 1980, seu proprietário foi deputado constituinte pelo PMDB. Editou dezenas de obras de ciências humanas de autores nacionais e estrangeiros, além de vários livros de parlamentares de oposição, como Marcos Freire e Alencar Furtado.
Vozes – Centenária editora (fundada em 1901) ligada à Igreja Católica brasileira (Ordem dos Franciscanos). A partir do final dos anos 1960, com frei Ludovico Gomes de Castro como diretor geral e Rose Marie Muraro e Leonardo Boff na área editorial, inicia o lançamento de uma série de obras leigas, com autores como Nelson Werneck Sodré, Octavio Ianni, Darcy Ribeiro, Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes e Muniz Sodré, além de estrangeiros como Michel Foucault, Jean Piaget, Noam Chomsky, Paul Ricouer e René Dreifuss, entre outros (Andrades, 2001, p.126-67). Além disso, publicou pioneira literatura feminista. Nos anos 1970 e 1980, "foram publicadas inúmeras obras denunciando as atrocidades cometidas pela ditadura militar" (ibidem, p.154), das quais a mais importante foi, em 1985, o livro Brasil: nunca mais, que registrava de modo documentado, e a partir de fontes oficiais, as torturas ocorridas durante a ditadura contra presos políticos. Nos anos 1990 voltou a ter importante produção na área política, particularmente com a publicação da coleção "Zero à Esquerda", dirigida por Paulo Arantes e Iná Camargo da Costa (ibidem, p.204).
Zahar Editores – Criada em 1956 por Jorge Zahar e por seu irmão Ernesto, no Rio de Janeiro. Desde o início se destacou na publicação de livros universitários, principalmente de ciências sociais, com ênfase para autores marxistas (Ferreira, 2001, p.17). Jorge e Ernesto Zahar eram homens de esquerda, mas a linha editorial da Zahar não era definida somente "pela orientação política de seus editores, mas pelo foco no público da área de ciências sociais, um nicho de mercado em expansão nos anos 1950 e 1960" (Pereira, 2010, p.179). Na década de 1960 e até o começo dos anos 1970, a Zahar destacou-se na edição de obras de ciências humanas, principalmente com a tradução de autores estrangeiros. Em 1973, os dois irmãos se associaram à editora Guanabara e ao grupo Delta. Nesse mesmo ano houve o fim da sociedade entre Ernesto e Jorge Zahar, o primeiro tendo retornado ao trabalho como livreiro e o segundo permanecendo à frente da editora, na qual manteve a edição ou reedição de muitas obras relacionadas ao pensamento socialista. Em 1985 ele fundou a Jorge Zahar Editor, com os filhos Ana Cristina e Jorge Zahar Júnior (Hallewell, 2012, p.735-6).


Breves considerações
É interessante destacar que muitos livros de oposição lançados pelas editoras de oposição tiveram sucesso comercial no período estudado, tornando-se best-sellers, aparecendo nas listas dos livros mais vendidos publicadas pela imprensa, influenciando o debate político e divulgando questões relativas ao período ditatorial que chegava ao fim nos primeiros anos da década de 1980.
Algumas editoras de oposição chegaram a ter participação significativa no mercado editorial, como a Global, a Vozes, a Paz e Terra e a Brasiliense. Tudo isso mostra que a atuação dessas editoras teve repercussão pública significativa, cumprindo um dos principais objetivos a que elas se propunham, qual seja, o de atuar abertamente na oposição ao regime civil-militar e ser um canal para setores insatisfeitos com ele.
De forma até certo ponto paradoxal, não foram muitos os casos de censura a livros, ou recolhimento de edições, entre as editoras de oposição. Certamente o caso em que houve uma maior perseguição foi o da Civilização Brasileira, mas, pelo menos a partir de meados dos anos 1970, essa se deu por meios administrativos e econômicos e não diretamente pela censura. Mas isso não significa que muitos livros não tenham sido censurados; ao contrário, pesquisa de Sandra Reimão (2011) mostrou que foram mais de 300 títulos vetados entre 1970 e 1982 pelo Departamento de Censura de Diversões Públicas (DCDP), em boa parte dos casos por serem considerados ofensivos à moral e aos bons costumes. Mas foram também numerosos os livros de cunho político vítimas de censura no período.


O que considero importante destacar aqui é a boa repercussão pública dos livros de oposição no período estudado, a maior parte dos quais publicados pelas editoras de oposição, contrastando, de certa forma, com o período ditatorial em que o país ainda vivia, e mostrando também que a oposição já conseguia ocupar espaços mais amplos no cenário público.
É nesse sentido que podemos demarcar a importância da atuação das editoras de oposição, ou seja, elas representaram um canal de expressão e organização para setores da oposição que buscavam formas de atuar politicamente, mesmo com os constrangimentos e limitações que a ditadura impunha à participação política e à denúncia do autoritarismo no Brasil.

Notas
1 Este artigo se baseia na pesquisa publicada na obra de minha autoria Livros contra a ditadura: Editoras de oposição no Brasil, 1974-1984 (Maués, 2013a).
2 Para mais detalhes sobre a evolução da censura desde o golpe e até o AI-5, ver Reimão (2011).
3 Literatura aqui tem o sentido de "conjunto das obras científicas, filosóficas etc., sobre um determinado assunto, matéria ou questão; bibliografia", conforme o Dicionário Houaiss.
4 A ideia de edição política foi desenvolvida particularmente por alguns autores europeus, como Jean-Yves Mollier (2006), Anne Simonin (1994), Julien Hage (2006, 2010a, 2010b) e François Valloton (2007).
5 Essa ideia se baseia em grande medida na obra de Bernardo Kucinski (2013), Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa, na qual o autor analisa a história e o papel da "imprensa nanica", ou "imprensa alternativa", no Brasil nos anos 1970.
6 Pesquisa própria na coleção do jornal Leia Livros entre 1978 e 1984. Para as informações das listas da revistaVeja, utilizei os dados levantados em Reimão (1996, p.70).
7 E é importante destacar que também havia livros de oposição publicados por editoras que não podem ser consideradas editoras de oposição, ou seja, algumas editoras que não tinham características políticas de oposição eventualmente editaram obras com esse caráter, seja por motivações comerciais, seja por outras motivações. Nesses casos, não considero que essas sejam editoras de oposição.
8 Como tomei por parâmetro temporal a década de 1970 e parte da de 1980, ou seja, o período já posterior ao AI-5, algumas editoras que tiveram importante atuação na edição de obras políticas nos anos 1960 não aparecem em meu levantamento, tais como as editoras Saga, Fulgor, Felman-Rego, José Álvaro Editor, Laemmert, GRD, entre outras.
9 Entrevistas com Fernando Mangarielo realizadas nos dias 15 de maio e 19 de junho de 2013 por Sandra Reimão, Flamarion Maués e João Elias Nery.
10 Andrea Galucio dá mais informações sobre a criação da editora, com alguns detalhes diferentes daqueles descritos por Hallewell (Galúcio, 2009, p.118-25).
11 Entrevista com Luiz Alves em 4 de agosto de 2004, em São Paulo.
12 Entrevista com José Carlos Venâncio em 17 de janeiro de 2007, em São Paulo.
13 Mais informações sobre a história da editora Global podem ser encontradas em Maués (2009).
14 Mensagem eletrônica de Felipe Lindoso recebida em 24 de agosto de 2013. Todas as declarações de Lindoso provêm dessa mensagem.

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Especial: É tudo um assunto só!

Outro dia discutindo sobre as manifestações do dia 15, sobre crise do governo e a corrupção da Petrobrás eu perguntei a ele se tinha acompanhado a CPI da Dívida Pública. Então ele me respondeu: Eu lá estou falando de CPI?! Não me lembro de ter falado de CPI nenhuma! Estou falando da roubalheira... A minha intenção era dizer que apesar de ter durado mais de 9 meses e de ter uma importância ímpar nas finanças do país, a nossa grande mídia pouco citou que houve a CPI e a maioria da população ficou sem saber dela e do assunto... Portanto não quis fugir do assunto... é o mesmo assunto: é a política, é a mídia, é a corrupção, são as eleições, é a Petrobras, a auditoria da dívida pública, democracia, a falta de educação, falta de politização, compra de votos, propina, reforma política, redemocratização da mídia, a Vale, o caso Equador, os Bancos, o mercado de notícias, o mensalão, o petrolão, o HSBC, a carga de impostos, a sonegação de impostos,a reforma tributária, a reforma agrária, os Assassinos Econômicos, os Blog sujos, o PIG, as Privatizações, a privataria, a Lava-Jato, a Satiagraha, o Banestado,  o basômetro, o impostômetro, É tudo um assunto só!...




A dívida pública brasileira - Quem quer conversar sobre isso? 



Escândalo da Petrobrás! Só tem ladrão! O valor de suas ações caíram 60%!! Onde está a verdade?




A revolução será digitalizada (Sobre o Panamá Papers)


O tempo passa... O tempo voa... E a memória do brasileiro continua uma m#rd*


As empresas da Lava-jato = Os Verdadeiros proprietários do Brasil = Os Verdadeiros proprietários da mídia.

Desastre na Barragem Bento Rodrigues <=> Privatização da Vale do Rio Doce <=> Exploração do Nióbio



Trechos do Livro "Confissões de um Assassino Econômico" de John Perkins 

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Spotniks, o caso Equador e a história de Rafael Correa.

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Sobre o caso HSBC (SwissLeaks):

Acompanhando o Caso HSBC I - Saiu a listagem mais esperadas: Os Políticos que estão nos arquivos.


Acompanhando o Caso HSBC II - Com a palavra os primeiros jornalistas que puseram as mãos na listagem.


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Acompanhando o Caso HSBC V - Defina: O que é um paraíso fiscal? Eles estão ligados a que países? 


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Acompanhando o Caso HSBC VII - Crime de evasão de divisa será a saída para a Punição e a repatriação dos recursos


Acompanhando o Caso HSBC VIII - Explicações do presidente do banco HSBC no Brasil

Acompanhando o Caso HSBC IX  - A CPI sangra de morte e está agonizando...

Acompanhando o Caso HSBC X - Hervé Falciani desnuda "Modus-Operandis" da Lavagem de dinheiro da corrupção.



Sobre o caso Operação Zelotes (CARF):

Acompanhando a Operação Zelotes!


Acompanhando a Operação Zelotes II - Globo (RBS) e Dantas empacam as investigações! Entrevista com o procurador Frederico Paiva.



Acompanhando a Operação Zelotes IV (CPI do CARF) - Apresentação da Polícia Federal, Explicação do Presidente do CARF e a denuncia do Ministério Público.

Acompanhando a Operação Zelotes V (CPI do CARF) - Vamos inverter a lógica das investigações?

Acompanhando a Operação Zelotes VI (CPI do CARF) - Silêncio, erro da polícia e acusado inocente depõe na 5ª reunião da CPI do CARF.

Acompanhando a Operação Zelotes VII (CPI do CARF) - Vamos começar a comparar as reportagens das revistas com as investigações...

Acompanhando a Operação Zelotes VIII (CPI do CARF) - Tem futebol no CARF também!...

Acompanhando a Operação Zelotes IX (CPI do CARF): R$1,4 Trilhões + R$0,6 Trilhões = R$2,0Trilhões. Sabe do que eu estou falando?

Acompanhando a Operação Zelotes X (CPI do CARF): No meio do silêncio, dois tucanos batem bico...

Acompanhando a Operação Zelotes XII (CPI do CARF): Nem tudo é igual quando se pensa em como tudo deveria ser...

Acompanhando a Operação Zelotes XIII (CPI do CARF): APS fica calado. Meigan Sack fala um pouquinho. O Estadão está um passo a frente da comissão? 

Acompanhando a Operação Zelotes XIV (CPI do CARF): Para de tumultuar, Estadão!

Acompanhando a Operação Zelotes XV (CPI do CARF): Juliano? Que Juliano que é esse? E esse Tio?

Acompanhando a Operação Zelotes XVI (CPI do CARF): Senhoras e senhores, Que comece o espetáculo!! ("Operação filhos de Odin")

Acompanhando a Operação Zelotes XVII (CPI do CARF): Trechos interessantes dos documentos sigilosos e vazados.

Acompanhando a Operação Zelotes XVIII (CPI do CARF): Esboço do relatório final - Ainda terão mais sugestões...

Acompanhando a Operação Zelotes XIX (CPI do CARF II): Melancólico fim da CPI do CARF. Início da CPI do CARF II

Acompanhando a Operação Zelotes XX (CPI do CARF II):Vamos poupar nossos empregos 



Sobre CBF/Globo/Corrupção no futebol/Acompanhando a CPI do Futebol:

KKK Lembra daquele desenho da motinha?! Kajuru, Kfouri, Kalil:
Eu te disse! Eu te disse! Mas eu te disse! Eu te disse! K K K


A prisão do Marin: FBI, DARF, GLOBO, CBF, PIG, MPF, PF... império Global da CBF... A sonegação do PIG... É Tudo um assunto só!!



Revolução no futebol brasileiro? O Fim da era Ricardo Teixeira. 




Videos com e sobre José Maria Marin - Caso José Maria MarinX Romário X Juca Kfouri (conta anonima do Justic Just ) 





Do apagão do futebol ao apagão da política: o Sistema é o mesmo



Acompanhando a CPI do Futebol - Será lúdico... mas espero que seja sério...

Acompanhando a CPI do Futebol II - As investigações anteriores valerão!

Acompanhando a CPI do Futebol III - Está escancarado: É tudo um assunto só!

Acompanhando a CPI do Futebol IV - Proposta do nobre senador: Que tal ficarmos só no futebol e esquecermos esse negócio de lavagem de dinheiro?!

Acompanhando a CPI do Futebol VII - Uma questão de opinião: Ligas ou federações?!

Acompanhando a CPI do Futebol VIII - Eurico Miranda declara: "A modernização e a profissionalização é algo terrível"!

Acompanhando a CPI do Futebol IX - Os presidentes de federações fazem sua defesa em meio ao nascimento da Liga...

Acompanhando a CPI do Futebol X - A primeira Liga começa hoje... um natimorto...

Acompanhando a CPI do Futebol XI - Os Panamá Papers - Os dribles do Romário - CPI II na Câmara. Vai que dá Zebra...

Acompanhando a CPI do Futebol XII - Uma visão liberal sobre a CBF!

Acompanhando a CPI do Futebol XIII - O J. Awilla está doido! (Santa inocência!)

Acompanhando a CPI do Futebol XIV - Mais sobre nosso legislativo do que nosso futebol



Acompanhando o Governo Michel Temer

Acompanhando o Governo Michel Temer I

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